terça-feira, 19 de abril de 2011

Harlan Ellison: Como Enxergar a Dor - depoimento de Patati

Como literatura, a ficção científica me acompanha desde a infância. Vi 2001 pela primeira vez quando foi lançado, em 68. Ir atrás de Clarke e seus livros, um pouco mais tarde, foi óbvio.

Autores como Lovecraft, Stanislaw Lem, Phillip K.Dick, Olaf Stapledon, William Gibson, Norman Spinrad, Ray Bradbury, René Barjavel e Alan Moore estão comigo há muito tempo e creio que me ajudarão ainda a pensar e sentir o mundo durante muitos anos. Mas o autor que mais me impressionou quando primeiro o li, sem dúvida, foi Harlan Ellison.

Pouco importa que sua obra, como ele mesmo diz, não passe de lixo elegante. Seu espalhafato, sua intensidade, sua fúria, sua imaginação ousadíssima (a meu ver, suplantada apenas por Clive Barker), de um lado; aliados a seu poderoso poder de síntese e a seu conhecimento de estrutura, do outro, fizeram dele, para mim, um tremendo contista e um grande roteirista, tanto de TV como de quadrinhos.

Suas histórias são sangüíneas, mas não são meros jatos de fúria. Ellison sempre investiu tanto em estilo quanto na lógica interna das coisas, tanto nas imagens em si, quanto nos acontecimentos que as fazem surgir. Contos como Não Tenho Boca e Preciso Gritar (em que a humanidade se tornou um grupinho de animais de laboratório progressivamente reduzidos à mais completa falta de controle sibre suas vidas por uma raça alienígena) e Vendo (em que uma jovem telepata descobre que sempre enxerga a morte de cada pessoa ao conversar com ela) são leitura antediluviana e ainda estão comigo de memória.

São trabalhos em que vi pela primeira vez as preocupações sociais da década de setenta traduzidos para dentro dos limites de um entretenimento popular... A paranóia e a violência urbana, o psicodelismo dos anos sessenta, a militância pelos direitos civis na sociedade americana, a indignação do cidadão honesto contra o mau uso dos impostos pagos e contra a guerra do Vietnã, tudo isso encontrava metáforas visuais fortes na obra de Ellison, que às vezes (ponto fraco), sofre de um jeitão meio caricatural.

Pensando sobre essas correspondências entre visibilidade e significado, concluí que seus contos – sem dúvida a parte mais alta de sua obra –, aprenderam muito com seus roteiros. Depois percebi que o modo visual como trabalha, o fato de que escreve muitas histórias em torno das imagens que o impressionam e que outras vezes o faz de modo propositivo, era o que me atraía nele.

Tal como os naturalistas franceses, mas com seu molho pop, Ellison quer dar a ver a doença do mundo com olho que é gótico e científico, e fazer o diagnóstico. Enxergar imagem e relacionar sentidos entre elas.

Enxergar a dor.

Porisso Ellison está comigo até hoje, ainda que tenha medo de me decepcionar se reler seus contos.

Pelo menos, para mim, depois de Isaac Babel, certas coisas se tornam imagens da adolescência...

***

Carlos Eugênio Baptista, o Patati, é detentor de um prêmio HQ MIX por aquela que seria a primeira história da graphic novel Sangue Bom, editada em 2003, pela Opera Gráfica. Professor universitário e escritor profissional, Patati é um dos mais prolíficos autores de quadrinhos nacionais.

Nenhum comentário:

Seguidores