Adebisi estava com o Babalaô, que havia sacrificado uma ave para Orunmilá e voltou a consultar Ifá. O Babalaô estava mais apreensivo e tinha dificuldade em transmitir o que lhe vinha como resposta.
– Deuses enfurecidos. Guerra entre esquerda e direita.
– Não entendi, Babalaô.
– Nem eu, Adebisi. O Odu que se apresenta é Opon e diz que “ ...Quem se aproxima de um animal ferido mesmo para ajuda-lo poderá ser morto...” – ele fez uma pausa. – Os deuses estão divididos entre esquerda e direita – logo depois entregou duas pedras a Adebisi, uma clara e outra preta e mandou que sacudisse ambas com as mãos e novamente segurasse uma pedra em cada mão. O Babalaô consultou Ifá e mandou que Adebisi abrisse a mão esquerda, revelando a pedra preta.
– Os deuses da esquerda não querem se aproximar dos homens e ameaçam destruir tudo caso nós insistamos em irmos até eles.
O Babalaô apanhou as duas pedras, tocou-as nas favas, recitando algumas palavras sagradas e devolveu-as
a Adebisi, que repetiu o ritual de embaralha-las e segurar uma em cada mão. O Babalaô jogou o “opelé ”e mandouo abrir a mão direita. Apareceu a pedra clara.
– Está confirmado! Os deuses da direita disseram sim aos homens!
– Mas por quê os da esquerda se opõem?
– Porque eles nos julgam pequenos demais.
Adebisi abriu os braços e disse:
– Então nossos deuses serão os da direita!
O Babalaô mais uma vez consultou Ifá. Como tudo lhe parecesse confuso, restou-lhe especular:
– Para termos os nossos deuses, deveremos enfrentar a ira dos deuses da esquerda. Se sobrevivermos, teremos finalmente os Orixás.
– E como faremos para sobreviver?
O Babalaô temia esta pergunta mais porquê sabia do temor que provocaria a resposta:
– Não temos como nos opor aos deuses irados. Dependemos deles próprios para sobreviver e evitar o fim do mundo.
Adebisi mais uma vez irritou-se. Por quê os oráculos deveriam ser sempre ambíguos? Decidiu não fazer mais perguntas e suspeitou se a vida não seria mais simples se dependesse mais da caça e menos dos deuses.
Preferiu ir para casa.
* * *
Na aldeia, havia grande tumulto, com guerreiros empunhando lanças e bastante assustados. Sua prometida, Yawana, correu em sua direção e segurou-o pelo braço, como se cobrasse dele seu primeiro dever de companheiro: dar-lhe proteção.
– Homens estranhos chegaram, Adebisi! – disse, apontando para o outro lado da aldeia, fora da visão devido ao número de aldeões que lá se aglomeravam. Adebisi desvencilhou-se dela com dificuldade. Caminhou entre os seus, abrindo caminho até os tais estranhos. Seriam enviados dos deuses? Ao vê-los, não deve dúvidas. Deveriam ser bem próximos das divindades, pois nunca vira homens tão altos nem com vestes estranhas e belas a cobrir-lhe os corpos poderosos. O que parecia ser o líder adiantou-se e falou num idioma bem parecido com o dele, fácil de se fazer entender.
– Meu nome é Julian Akim. Vim de muito longe para falar com o Babalaô e trago presentes, muitos presentes.
O homem estalou os dedos e dois outros apanharam um caixote. Dentro havia estranhos cubos coloridos que chamaram a atenção de todos.
– É de vocês. Podem provar, é para comer. – disse Akim, abrindo os braços e tentando ser o mais simpático possível.
Um dos mais velhos aproximou-se do caixote, apanhou um dos tabletes e, depois de cheira-lo, pôs na boca e mastigou. Segundos depois, sorriu, apanhou mais um e comeu com prazer. Outro se aproximou e fez o mesmo.
Gostou.
Em menos de um minuto estavam todos em volta do caixote disputando os tabletes que o estranho oferecia.
Com muito custo, quando os tabletes estavam já no fim, Adebisi apanhou três – um verde, um vermelho e um amarelo. Tinham um cheiro agradável.
Adebisi abocanhou o primeiro e este, de tão macio, dissolveu. Era muito bom e deixou uma sensação agradável. Sentiu-se leve e sorriu numa estranha alegria. Rapidamente devorou os outros dois e gostou ainda mais.
Pena que acabou.
Logo todos na aldeia estavam satisfeitos com o estranho. Agora ele e os seis homens que o acompanhavam eram convidados, todos vestidos com roupas que mudavam de cor à toda hora (coisa dos deuses!) e portando estranhos objetos que só poderiam ser armas pelo jeito como seguravam. Eles também usavam coisas esquisitas na cabeça.
Um dos mais velhos da aldeia chamou por Adebisi e ordenou:
– Leve nossos amigos até o Babalaô.
Ele olhou aquele homem imenso e de odor agradável sem dizer uma só palavra, mas gostou quando sorriu.
Sorriu de volta e notou que não sentia medo.
– Vamos ver o Babalaô – disse Adebisi, como se estivesse no controle da situação.
E os homens o acompanharam.
* * *
Giácomo sentia que algo não estava bem. Nunca vira o tal Franco pelos corredores da Empresa e o camarada chamado Ferreiro parecia ser o único à vontade naquele passado. Beto, nem pensar, pois já havia reclamado dos mosquitos, e Tadeu era a imagem do mau humor.
De repente, pararam. Franco tirou seu aparelho do bolso e sondou ao redor. Havia encrenca por perto.
– Eles estão aqui – disse
Tadeu soltou um muxoxo e disse ao deus:
– Melhor tomarmos cuidado. Os homens do século 25 usam uma tecnologia militar avançadíssima, sem paralelo nos séculos anteriores.
Giácomo, que já havia deixado a pose de galã para trás, virou-se para Tadeu e indagou:
– Já que você é um expert no assunto, por que não nos conta mais sobre os homens do século 25?
Tadeu viu nisso um ótimo pretexto para interromper a caminhada e tomar fôlego.
– O século 25 foi o século da guerra – disse. – Foram gerações inteiras dedicadas à uma contenda generalizada contra os inimigos mais variados em diversos conflitos que foram se expandido e abarcando cada vez mais países, mais povos, mais blocos. O resultado foi uma confusão no panorama político. Havia países filiados a tantos blocos e divididos em tantas tendências que federações e confederações nasciam e implodiam a todo momento. O que restou disso tudo foi um mundo devastado, cidades riscadas do mapa e o extermínio de dois terços
da população mundial. Uma tragédia sem limites.
Giácomo e Roberto se entreolharam. Sabiam das guerras endêmicas no século 25 e de suas tragédias, mas permanecia um mistério o porquê deste século ser o divisor de águas entre a Intempol e os Anos Interditos.
– Eles são muito dependentes da tecnologia? – indagou Roberto, tendo em mente os obesos sedentários do século 21.
– Totalmente. – respondeu Tadeu – Os homens do século 25 mal conseguiriam viver sem seus brinquedos.
Giácomo e Roberto riram, como se eles fossem totalmente independentes dos avanços tecnológicos.
– Temos que ir. – disse Ferreiro, de cara fechada.
E prosseguiram.
* * *
Akim chegou à cabana do Babalaô que, surpreendentemente, não demonstrou espanto em ver aqueles homens tão diferentes.
Adebisi correu para o sacerdote de Ifá e disse:
– Babalaô, esses homens vieram até aqui e...
O Babalaô fez um gesto para que ele se calasse e dirigiu-se a Akim:
– Veio de tão longe para se consultar com Ifá?
Akim sorriu e respondeu num iorubá um pouco diferente do que falavam, mas perfeitamente
compreensível:
– Sim, Babalaô. – em seguida tocou o chão com as pontas dos dedos em saudação – “Iboru ibóie
ibocheché”.
O Babalaô olhou com curiosidade e respondeu:
– “Iboru-bóie”!
Akim estudou o rosto marcado do Babalaô, que parecia retribuir a análise. Tomou a iniciativa:
– Quero respostas. Sou um filho de Ogum – com a ponta dos dedos tocou o chão e em seguida a testa – “Ogum-iê”! E fui confirmado Ogã na Bahia.
O Babalaô franziu a testa e disse:
– Não sei do que você está falando!
– Eu sei que não sabe, – sorriu Akim – só queria ter certeza.
O Babalaô convidou-o a entrar, enquanto os homens que o acompanhavam montaram guarda ao redor da cabana. Quando Adebisi ia também entrar, o Babalaô repreendeu:
– Não! Volte agora para aldeia!
– Mas, Babalaô...
– Agora, Adebisi. Estou mandando!
Adebisi franziu a testa e mordeu os lábios. Queria ficar perto daqueles que pareciam ter as respostas sobre o que ele precisava saber, mas o Babalaô simplesmente o mandara embora. Melhor confiar e obedecer.
Dentro da cabana, O Babalaô e Akim sentaram-se frente à frente com um tabuleiro redondo entre eles.
– Quero saber sobre os deuses, – disse Akim – os Orixás.
Novamente o Babalaô franziu a testa:
– Nossos deuses são os Imóles.
Akim sorriu de satisfação e completou:
– Sei disso. Quero saber se eles estão vindo e se aqui é o local que procuro para falar com os Imóles.
O Babalaô abriu os braços.
– Eles nunca falam conosco.
Akim sacudiu de leve a cabeça e disse:
– Se eles vierem, poderei falar com eles.
O Babalaô indagou a seguir:
– O que você quer saber?
– Quero saber se é aqui se os Imóles virão aos homens.
O Babalaô recitou uma antiga oração e polvilhou um pó no tabuleiro, com o qual marcou estranhos desenhos com a ponta dos dedos, depois apanhou um conjunto de oito favas entrelaçadas por um fio – o “Opelé” –, jogando-as no tabuleiro. Depois, tocou as favas com as pedras (uma escura e outra mais clara), entregando-as a Akim que, para sua surpresa, sabia que devia sacudi-las com as duas mãos e segurar depois uma em cada. Jogou duas vezes o “Opelé” e mandou Akim abrir a mão esquerda. Ali estava a pedra clara.
– Veio ao lugar errado. Aqui diz que um homem foi na floresta caçar um animal que vive na floresta, mas naquela floresta não estava o animal que ele queria caçar. Então, ele ficou dias e noites pelo mato sem achar sua caça porque não estava ali o que ele queria caçar. Akim alisou a barba grisalha e perguntou:
– Ifá diz que devo procurar em outro lugar?
O Babalaô apontou para o “Opelé” e confirmou:
– Ifá diz que não é aqui o lugar que você procura.
Akim sorriu, saudou o Babalaô e se retirou. No lado de fora, tocou de leve o pequeno aparelho em sua orelha esquerda e perguntou:
– Linterbaun. Está me ouvindo?
Longe dali, o Capitão Linterbaun respondeu:
– Alto e claro, General.
– Como estamos com as buscas? – perguntou Akim.
Linterbaun olhou para três dos homens que pareciam prestes a partirem para batalha e disse:
– Não vamos demorar mais que um dia, General. Os rapazes intensificaram as buscas.
Akim virou-se para trás e viu que o Babalaô observava-o da porta de sua cabana. Ficou sério e disse:
– Muito bem, Linterbaun. Você está se saindo acima das expectativas, como sempre.
– Obrigado, senhor. Faço sempre o melhor que posso – respondeu.
Akim encerrou o contato e olhou ao redor antes de partir. Seu pensamento ao vislumbrar aquele lugar foi:
Que mundo frágil!
Continua
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