domingo, 25 de abril de 2010

Steampunk em Paris: Entrevista com Pedro Mota


Pedro Mota é um historiador português que atualmente reside na França.

Graças a seus projetos editoriais e admiração pela Ficção Científica – especialmente o subgênero chamado “História Alternativa” – vem promovendo um intercâmbio bastante salutar e inédito entre autores de língua portuguesa e de origem francesa.



Octavio Aragão
Olá, Pedro! Obrigado por aceitar ceder esta entrevista. Vamos, então, àquela apresentação básica:
Qual seu nome completo, idade, profissão e trabalhos mais importantes no gênero da FC até agora?



Pedro Mota – Olá, Octavio. Me chamo Pedro Jorge Ferreira Mota, nasci en Lisboa, em dezembro 1969, e fui para a França aos 4 anos de idade, uns dias antes do 25 de Abril, 1974. Desde então, moro em Estrasburgo, na Alsacia, uma bela região francesa, mas que fica demasiado longe do elemento essencial para os portugas: o Oceano!

Tenho 33 anos e sou fà de FC desde que comecei a ler. A principio, com os quadrinhos da Marvel (mas não os da DC !!) e, depois, com livros. Quando tinha uns 13/14 anos de idade, comecei a ler romances: minhas primeiras descobertas foram com Robert Silverberg, Poul Anderson, H. G. Wells, George Orwell, Júlio Verne, Tolkien, Arthur C. Clarke. Nessa altura também li muitos romances policiais entre os quais Agatha Christie.

Depois houve um periodo em que tive que pôr de lado as minhas leituras de lazer para dedicar-me aos estudos, mas sempre continuei com um olho sobre a FC durante esse período, que durou uns dez anos.

Foi nessa altura mais ou menos que me apaixonei por um gênero em particular: as Historias Alternativas. Depois de terminar o meu curso de historia, tive mais tempo para a FC e voltei aos meus primeiros amores. Foi a partir daí que devorei num frenesi o máximo de livros de FC.

Em 1995/96 descobri o site Uchronia, the alternate history list, e foi nessa altura que me pus a procura de todos as ucronias disponíveis em francês.

Em 1998, decidi lançar o site La Porte des Mondes, que tenta reunir o máximo de ucronias disponíveis em francês, sejam originais ou traduzidas. A realização do site permitiu-me conhecer vários autores franceses e estrangeiros e, assim, fazer algumas entrevistas de autores como Silverberg, Orson Scott Card, Kim Stanley Robinson e autores franceses como Johan Heliot ou Xavier Mauméjean.

O AComo está a situação da FC literária na França?

PM – Não sei se tenho os elementos suficientes para falar da FC francesa. E não vou fazer um histórico da FC francesa desde Verne até hoje. Mas posso dizer que, desde a altura em que voltei a ler FC, em meados dos anos 90, descobri e li com muito mais prazer autores franceses. Creio que hoje a maioria dos leitores da França partilham essa visão.

Na minha opinião, a FC francesa esta cada vez mais interessante. Estes últimos anos descobri autores como Pierre Bordage, Johan Héliot, Thomas Day, Ugo Bellagamba, Xavier Mauméjean, Fabrice Colin, Mathieu Gaborit. Redescobri autores com mais fama como R. C. Wagner, J. C. Dunyach, P. Pagel, Ayerdhal, Serge Lehman, J. P. Andrevon, C. Grenier. São muitos mais os autores que poderia ainda pôr nesta lista, e isso sem falar da riqueza e do potencialidade da FC do Quebec.

Creio que temos um número considerável de autores franceses que poderiam ser traduzidos e rivalizar sem dificuldades e sem vergonha com os autores anglófonos. O problema principal é a fraqueza do mercado francês internacional, e, possivelmente, a dificuldade para um brasileiro, português ou até mesmo um americano de encontrar um livro francês fora da França.

Participo da lista de discussão portuguesa "Ficcao-Cientifica · Ficção Científica e Fantástico" e raremente vejo leitores lusófonos falarem de autores franceses. A culpa também pode ser minha (riso) porque até agora não pensei em escrever um "review" dos livros franceses, mas creio que vou tentar fazê-lo o mais rápido possivel.

Na França, temos a sorte de ter varias editoras, grandes e pequenas, que propõem coleções de FC (sendo que as pequenas são mais empreendedoras que as grandes, aceitando enfrentar riscos), permitindo assim a descoberta de autores novos. Temos tambem várias revistas profissionais como Galaxies, Bifrost e Phénix.

No tocante à produção de livros, a FC francesa possui um grande potencial, mas é uma pena que as grandes editoras não dêem importância ao gênero. Porque, apesar de tudo, a FC em geral não tem muito boa fama na França fora do círculo dos leitores e dos fãs (apesar do fato de eu ter notado que os temas da FC são cada vez mais utilizados pela publicidade).

O AVocê é um entusiasta da FC em geral, mas tem se dedicado a difundir autores de língua lusófona e castelhana no mercado francês. Como foi seu primeiro contato com os autores portugueses e brasileiros?

P M – Sim gosto de FC. De toda FC.
Não posso dizer que difundi a FC castelhana na França. Foi a Sylvie Miller quem permitiu a difusão e traduziu muita da FC castelhana disponivel. Aliás, Bruno Della Chiesa, francês apesar do nome italiano, fez muito com o festival Utopiales em Nantes, sendo um dos primeiros a tentar abrir a FC francesa ao resto do mundo.

Aproveito o momento para agradecer à Sylvie Miller por duas razões: primeiro porque graças ao seu trabalho descobri autores espanhóis, e de outro lado porque, com sua ajuda, estou tentando fazer com a FC lusofona o que ela fez com a FC castelhana.

Eis a razão que me leva a ler os livros de Juan Miguel Aguilera, um autor espanhol. Gosto mesmo do que ele faz, também como gosto de Yoss, um autor cubano . E tive a possibilidade de conhecê-los durante um festival, aqui na França.

Com a ajuda da Sylvie Miller, vamos tentar abrir ainda mais o mercado francês a outras sensibilidades e a outras FC, como a portuguesa e a brasileira.

Foi graças à internet que comecei a descobrir os autores lusófonos e pude entrar em contato com eles. Agora tento partilhar minhas descobertas com os leitores franceses. Estou frente a uma montanha e só agora comecei a galgá-la. Tenho que subir com calma para poder chegar ao topo (riso)...

O AVocê acredita que há a possibilidade do desenvolvimento de um mercado de literatura de FC de cunho mundial, fora do universo editorial anglófono?

P M – Sinceramente, creio que sim. Porque penso que pode haver outros modos de escrever FC, outras sensibilidades além daquela dos anglo-saxônicos. A pouco, tive uma conversa com a Sylvie Miller, onde ela me disse que a FC americana é, por vezes, demasiado maniqueísta e um tanto redutora. Enquanto que a FC espanhola ou lusófona aparece mais colorida e mais diversa.

Na França, os leitores puderam descobrir nestes últimos anos, autores alemães, espanhóis, italianos, cubanos, jamaicanos. Todos eles propõem visões e alternativas diferentes da FC anglo-saxônica. Não quero dizer que a FC não-anglosaxônica seja melhor, mas é diferente, e desenvolve outras maneiras de escrever temas clássicos como space-opera, hard-science, cyberpunk, steampunk e outros.

Pegamos, por exemplo, o steampunk, que conheço bem: a princípio, trata-se de uma nova corrente que se iniciou nos EUA e na Inglaterra, com os livros de Powers, Blaylock, Gibson e demais. Mas, por volta de 1995, reparamos que vários autores francos souberam recuperar esse tema e adaptá-lo ao público francês. Em vez de situar a ação em Londres dos finais do século XIX, transpuseram as suas historias à Paris, mas na mesma época, com personagens (verdadeiros ou imaginarios) bem conhecidos, como Arsène Lupin, Jules Verne, Vidocq etc... Acho que o steampunk “à francesa” não deve nada ao anglófono, e até pode interessar o público português, espanhol ou brasileiro. Mas será que esses públicos alguma vez ouviram falar desses livros? Julgo que não, e acho uma pena.

Ademais, a FC estrangeira pode contar histórias com temas bem diferentes dos habituais, temas usados na França, tal como Eu matei Paolo Rossi, de Octavio Aragão. Nesse conto, um dos pontos focais é a paixão pelo futebol que existe no Brasil, o que soa um pouco "exótico" na França.

É preciso saber se as editoras portuguesas, brasileiras e as outras, podem ter vontade de buscar e traduzir contos franceses, e realizar um trabalho similar ao de alguns editores franceses.

Se ninguém der o primeiro passo, todo o trabalho realizado por várias pessoas para tentar descobrir essa "outra" FC pode não ser mais do que un coup d'épée dans l'eau (un golpe de espada na água) e as várias FC existentes no resto do mundo continuarão a ignorar-se, medindo forças com a FC anglófona.


O ASeria o advento da Internet um elemento indispensável para essa unificação, esse reconhecimento mundial?

P M – Creio que a Internet têm sido um meio fantástico para promover e descobrir a FC de vários países, seja com os diversos sites, seja pelas listas e grupos de discussão. É so ver o número de sites dedicados à FC existindo na rede, é simplesmente incrível!

Foi a minha descuberta da Internet que me levou a criar o site sobre Ucronias, e sei que é regularmente visitado por internautas oriundos do Canadá, Nova Zelandia, Japão, Tahiti, Brasil, USA, sem falar dos países europeus. E trata-se de um site modesto, dedicado às ucronias em francês. Fico espantado!

A Internet abre uma janela maior sobre o nosso mundo, permintindo-nos saber realmente o que habitantes de vários países podem pensar de tal ou tal aspecto ou acontecimento. Ainda mais quando se trata de pessoas que partilham uma paixão para a FC.


O AEm que ponto estão seus vários projetos editoriais?

P M – Estou finalizando a tradução de um autor brasileiro para uma revista francesa. Disseram-me que existe possibilidade para propor contos lusófonos na França, e eis o meu principal objetivo nos próximos meses: fazer que alguns autores de língua portuguesa sejam publicados aqui.

Mas também gostaria fazer a mesma coisa no sentido contrário: apresentar autores franceses aos leitores de Brasil e Portugal.

Estou finalizando para breve uma antologia de contos ucrônicos cujo tema é a França, com histórias inéditas de autores americanos, cubanos, brasileiros e franceses, e que se chamará Douze Frances – um "piscar de olhos" à canção de Charles Trenet, Douce France –, e também estou trabalhando para realizar outro do meus sonhos: abrir uma pequena livraria e trabalhar com o que eu mais gosto: os livros.

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