sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

O projeto da capa de Intempol: Para tudo se acabar na quarta-feira


A criação e confecção da capa de Quarta-feira form processos a parte e demorados. A HQ já estava nos finalmentes quando decidimos pensar a ilustração, as cores e a tipografia.

A primeira ideia que nos ocorreu foi fazer um cartaz de blockbuster dos anos 70, ou nos moldes dos trabalhos do mestre Benício.

Manoel fez alguns estudos:



Infelizmente, apesar de mostrar todos os elementos principais da trama em composições arrojadas, não era bem isso que esperávamos como “efeito”. Então comecei a pensar se o “Carnaval”, tão presente na trama, não deveria ser evidenciado.

Desenvolvi o rough abaixo:


Ali estavam o carro alegórico, a passista, o efeito especial e os protagonistas, mas não claramente, em silhueta apenas.

Também não funcionou. O lettering, por outro lado, estava começando a tomar forma e resolvi mantê-lo no rascunho seguinte, mas com um swing “anos 70”.


O caminho, afinal, parecia estar mais claro - ou escuro, se levarmos em consideração a paleta de cores escolhida. No final, depois de muita discussão sobre anatomia e de como se arremessa uma granada (?!?!?), chegamos à uma proposta colorida.

Então, depois de uma verdadeira faxina, decidimos retirar todos os elementos que causavam ruído, voltamos com o conceito de cartaz de filme de ação para a quarta-capa (com o carro e os outros personagens, sendo que os soldadinhos migraram para as “orelhas” da capa) e fechamos no que seria a capa definitiva, já com desenhos de Manoel.

O logotipo de Osmarco Valladão ganhou uma tarja preta e “raios elétricos” substituíram os brilhos indefinidos de antes. O letreiramento também ganhou um update, ficou mais condizente com o clima de agressividade da história, e o alfabeto de apoio buscou aliar personalidade e discreção. O logo da Draco foi posicionado à direita inferior, ponto nobre da capa e consideramos o trabalho pronto.

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

A noite dos tempos: lançamento de Dieselpunk e Intempol: para tudo se acabar na quarta-feira

Os autores e o fim do estoque. Foto de Cláudia Quevedo Lodi
No dia 1º de dezembro de 2011, a Blooks Livraria, em Botafogo, foi palco de mais um evento ligado à literatura de gênero brasileira. Desta vez, num lançamento duplo da Editora Draco: a antologia Dieselpunk, organizada por Gerson Lodi-Ribeiro, e o álbum de HQ Intempol: para tudo se acabar na quarta-feira, da dupla Octavio Aragão (que sou eu!) e Manoel Ricardo. À mesa, apenas Gerson Lodi-Ribeiro e eu assinávamos os livros, já que o ilustrador capixaba Manoel não pôde comparecer.

A noite foi concorrida, com mais de sessenta pessoas percorrendo os corredores da livraria sob o olhar de Elisa Ventura, mix de empresária e agitadora cultural, que sempre abriu as portas da Blooks para eventos do porte da SpaceBlooks e diversos lançamentos.

Dentre os presentes, designers, acadêmicos, jornalistas e, claro, quadrinistas decidiram dar uma chance às aventuras movidas a diesel presentes nas noveletas da antologia literária e aos tiroteios intemporais da polícia cronal, em sua segunda investida em formato Graphic Novel.

Com texto de Octavio Aragão e desenhos de Manoel Ricardo, essa é a quarta história em quadrinhos baseada nas aventuras dos agentes intemporais surgidos na antologia de contos Intempol, lançada em dezembro de 2000, pela editora Ano Luz [as anteriores foram a webcomic A Mortífera Maldição da Múmia, de Carlos Orsi e Kalango Produktado, o álbum colorido The Long Yesterday (Comic Store, 2005) e Belvedere Blues (uma história curta publicada na revista Wizard, em 2006), ambas de Osmarco Valladão e Manoel Magalhães]. O que, porém, diferencia esse álbum das demais aventuras quadrinísticas da série é que, pela primeira vez, o cenário é brasileiro.

Estiveram presentes, entre diversos outros, convidados do naipe de Athos Eichler Cardoso, o maior conhecedor da obra de Angelo Agostini, pioneiro quadrinista ítalo-brasileiro, a doutora e pesquisadora Profª Rosza VelZoladz, o quadrinista Mig, parceiro de Ziraldo nas diversas séries do Menino Maluquinho, o colunista de O Globo Henrique Koifman, Carlos Hollanda, pesquisador, músico e professor, o designer e professor da EBA-UFRJ, Celso Guimarães (inspiração para um dos personagens da série Intempol e que foi devidamente apresentado à sua contraparte ficcional), Marcelo Serpa, publicitário, cientista político e professor da ECO-UFRJ, e o casal Glória e Amaury Fernandes, designer e coordenador de graduação da ECO-UFRJ. O pesquisador e quadrinista Carlos Eugênio Patati levou a filha, que compôs com meus filhos e os de outros convidados um inusitado e energético elenco infantil.

Mãos à obra! Foto de Cláudia Quevedo Lodi
Manoel Magalhães, quadrinista ganhador do prêmio Harvey 2010, ilustrador e co-autor das Graphic Novels Intempol: The Long Yesterday e O Instituto, ambas em parceria com Osmarco Valladão, também compareceu, acompanhado pelos designers José Antônio, programador visual do Fórum de Ciência e Cultura e professor da PUC-RJ, Ana Carreiro, Marisa Araújo e Paula Wienskoski, designers da Editora UFRJ, Lila Montezuma, designer do Fórum de Ciência e Cultura e a artista plástica Christina Barretto.

Do âmbito da ficção científica brasileira, o mais novo antologista da praça, Luiz Felipe Vasques, o multiartista Alexandre César, a volta de um dos decanos do CLFC, Rubenildo Pithon de Barros, a historiadora, escritora e publisher Ana Cristina Rodrigues, o colega hyperfanático Rafael Luppi, o amigo Professor Bruno, o jornalista Daniel Ribas, Pedro Barros, e o Homem Renascentista da FC brasileira, músico, poeta, escritor e antologista Braulio Tavares.


Também compareceram amigos dos autores de diversas áreas, desde o núcleo familiar, passando por alunos de hoje e ontem, até alguns do tipo “long time no see” de infância e adolescência que deram o ar da graça. Infelizmente, nem todos saíram com seus exemplares nas mãos, pois em pouco mais de sessenta minutos tanto Dieselpunk quanto Quarta-feira se esgotaram, mas isso não impediu a confraternização e boas horas de risadas, conversas e até uma gravação impagável para o podcast Quadrimcast, com as participações dos amigos Leandro Laurentino e esposa, Leo Spy e Nikita.

Resumindo, uma noite para não esquecer! Bom vinho, bons amigos e bom humor.

terça-feira, 29 de novembro de 2011

E depois do Rio, Vitória!

O ilustrador Manoel Ricardo deu o toque pelo Facebook: dia 14 de dezembro tem lançamento de Para Tudo Se Acabar Na Quarta-feira na capital capixaba. Segue a mensagem:

“Não marquem nada pro dia 14 de Dezembro, hein? LANÇAMENTO da história em quadrinhos Para Tudo se Acabar na Quarta-Feira (Octavio Aragão e este ruivo desenhista que vos tecla) , no Hortomercado (Praia do Suá), com show da Babulina Sambagroove! Pra quem acha que não tem nada a ver samba com quadrinhos, compareça e comprove por A mais B!”




Só para deixar registrado, Manoel fará o que eu sempre tive vontade: misturar um show com um lançamento. Show de bola, guri!

sábado, 19 de novembro de 2011

Para Tudo Se Acabar na Quarta-feira em quatro vídeos

Primeiro, o registro de Leandro Niero sobre o processo de produção da graphic novel. Eu e Manoel Ricardo falamos dos dois lados da Quarta-feira (no Rio de Janeiro e em Vitória).


Em segundo, minha fala durante o evento Invisibilidades do Itaú Cultural, com curadoria de Fábio Fernandes.


Em terceiro lugar, a hilária conversa de Manoel com um fã que o confundiu com Maurício de Sousa, durante o Festival Internacional de Quadrinhos, em Belo Horizonte.


Ah, sim, e por último, a reprise do booktrailer de Para Tudo Se Acabar na Quarta-feira, que contou com música de Adelmar Reis, cores de Fábio Birous, edição e montagem de Gerusa e Gabriela Maluf.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Data do lançamento carioca de Para Tudo Se Acabar na Quarta-Feira

Cenas da HQ, no traço de Manoel Ricardo

Reservem um espaço na agenda. Depois do lançamento no FiQ, que está acontecendo a partir de hoje, em Belo Horizonte, o álbum Intempol: Para tudo se acabar na quarta-feira, terá uma noite de autógrafos no Rio de Janeiro.

No dia 1º de dezembro, a partir das 19:00hs, o ilustrador Manoel Ricardo, o escritor, astrônomo e organizador Gérson Lodi-Ribeiro e eu estaremos recebendo os amigos e o público na Blooks Livraria, parceira e sede do SpaceBlooks, na Praia de Botafogo, nº 316, ao lado do Unibanco Arteplex.

Capa de Dieselpunk, por Erick Sama
Na mesma noite, será lançada a antologia Dieselpunk, organizada por Gérson Lodi-Ribeiro e publicada pela Draco, com noveletas do próprio Gérson, Jorge Candeias, Carlos Orsi, Antônio Luiz da Costa, Cirilo Lemos, Tibor Moricz, Hugo Vera e Sid Castro. Meu conto O dia em que Virgulino cortou o rabo da cobra sem fim com o chuço excomungado está presente na antologia, logo, também considero esse um livro especial.

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Uma vida entre quadros (ou “Apenas um molequinho que gosta de quadrinhos”)




As primeiras HQs e o álbum de estréia (fotos Osni Aragão e Erick Sama).


Hoje, com o nascimento do álbum em quadrinhos Intempol - Para tudo se acabar na quarta-feira, chegou ao fim um namoro de mais de quatro décadas (na foto ao lado eu contava cinco anos de idade).

Trata-se de uma história em quadrinhos escrita por mim e desenhada por Manoel Ricardo, esse menino que está tão distante em tantos aspectos e que, ao mesmo tempo, parece um irmão caçula.

Não posso reclamar da vida. Ser um estreante de 47 anos nessa mídia que adoro é tão emocionante ou mais do que se tivesse acontecido na adolescência ou nos loucos 20 anos.

O namoro acabou. Virou casamento.
Há loas no álbum, sim, mas preciso falar de muito mais gente que foi responsável por este momento e que não tive como agradecer na página impressa. Muito obrigado ao Manoel, que me aturou por tanto tempo; ao Erick Sama, que acreditou no projeto; à Luciana que é meu norte; ao Pedro e ao Gui, que me inspiram; ao Osmarco, pelos longos papos desde 1986 e pelo logotipo bonito; ao Fábio, parceiro em tantos brainstorms; ao Ivo, o melhor amigo distante que tenho; ao Gérson, o Grande Patrono; ao Carlos, ao Carlos e ao Carlos (cada um sabe quem é, mas se não sabem, adivinhem); ao compadre Amaury; ao Gilberto, pelas tardes inesquecíveis que deram origem a tantas histórias ainda não contadas; ao Manoel M, ao Tibúrcio e ao Tarso, caras que me impressionaram com o talento e o traço e de quem fui parceiro em infinitos mundos alternativos; ao João, ao Gitto e ao Adelmar, por serem a melhor banda do mundo; aos amigos que fizeram minha história, Cláudio Jorge, Ruy, Cláudio e Eduardo; e a todos meus alunos passados, presentes e futuros parceiros, de quem tanto me orgulho (sim, estou falando de vocês mesmo).

E, pai, principalmente a você, a quem devo tudo, Tintim por Tintim.




sexta-feira, 30 de setembro de 2011

A capa definitiva de Para Tudo Se Acabar na Quarta-feira

A mais nova aventura da Intempol, Para tudo se acabar na quarta-feira, que mistura samba, suor e sangue, já foi divulgada pela nossa nova casa editorial, a Draco. Eis aqui o primeiro resultado da parceria entre Manoel Ricardo, Erick Sama e este escriba, que verá a luz do dia, primeiro em versão virtual, disponibilizada a partir de 09/11, e um mês depois, em versão impressa.

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

A Mortífera Maldição da Múmia, webcomic por Carlos Orsi e Calango Produktado

Agora que estamos perto de uma nova HQ em formato álbum da série Intempol, parece uma boa ideia recordar que a primeira incursão da série nos quadrinhos foi este arrojado projeto baseado no conto A Mortífera Maldição da Múmia, de Carlos Orsi, publicado originalmente na antologia Intempol, em 2000.

Trata-se de uma webcomic produzida pela Calango Produktado, um conglomerado de artistas e animadores que, ao se apropriar das dicas e insights do quadrinista Scott McCloud, desenvolveu aquela que é considerada pelo pesquisador Edgar Franco, autor do livro Hqtrônicas: do Suporte Papel à Rede Internet, como a única experiência brasileira em HQs para a Internet que utiliza até o limite a técnica narrativa da "tela infinita", com o leitor seguindo a narrativa ao desenrolar a scroll bar na horizontal ou na vertical.


segunda-feira, 18 de julho de 2011

A Guerra dos Imoles, 10ª parte - uma noveleta de Roberval Barcelos

Terceira batalha

Os três estavam prontos, apesar de Tadeu se tremer de medo e se indagar a quem ele fez tanto mal na Empresa para cair numa missão assim, enquanto Giácomo estava apenas um pouco menos nervoso, afinal era sua primeira batalha contra outros crononautas bem armados. Já Roberto, em pleno início de outro ciclo de explosões de ódio, pensava em quantos mataria para resolver essa crise e voltar para casa. Eles seguraram a barra do terno de Franco e esperaram, mas nada aconteceu.

– O que foi agora? – Roberto estava novamente irritado.

– Não sei – Franco mal podia acreditar em quantas vezes já passou por isso desde que chegou a esta época.

Antes sabia de tudo. Antes...

– Já sei – interveio Tadeu. – Vamos ter que ir andando.

– Esperem mais um pouco – pediu Franco.

Segundo depois sentiram uma leve vertigem e viram-se no pé de uma montanha, atrás de árvores enormes, próximos a um rio.

– Eles estão aqui – avisou Franco – vamos nos aproximar do topo em dois grupos: Tadeu vem comigo,
Roberto e Giácomo...

De repente, Franco sentiu uma mão forte segurar seu pulso esquerdo e erguê-lo no ar. Foi tão inesperado e forte que Franco não conseguiu sequer esboçar uma reação. Seria um ataque de Akim? Não! Era Exu, só que desta vez aquele sorriso parecia sarcástico. Ao se refazer da surpresa, notou que estavam flutuando no ar, diante dos olhos dos três agentes aparvalhados. Desesperado, Franco gritou para que o deus o soltasse, e, como não foi atendido, tentou golpeá-lo com a mão direita. O deus segurou o soco.

– Que diabos está havendo com ele? – Tadeu e os outros estavam surpresos, afinal os três viam somente Franco flutuando no ar e se debatendo.

– Parece estar lutando com alguém – Giácomo especulou.

– Pare de chutar e use a Caixa! – sugeriu Roberto.

– Não tem ninguém lá com ele – Giácomo afirmou – Nem com rastreador espectral ou com o rastreador de calor consigo identificar alguém.

Roberto, irritado, arrancou a Caixa de Giácomo e ligou os rastreadores ele mesmo. Também não viu
ninguém com Franco.

– Esse merda tá é maluco! – Roberto sentenciou, devolvendo a Caixa a Giácomo.

No alto, Franco sentiu que o deus soltou sua outra mão e começou a retirar seu anel. Em desespero, tentou novo golpe, mas, como foi inúitil, sacou a Terminator. Não encontrou ângulo para atirar.
Começaram a girar no ar e desapareceram bem na frente dos agentes. Roberto reclamou:

– Filho da puta! Se mandou na maior!

– Ele nos largou aqui para morrermos! – Tadeu já entrava em pânico.

– Vamos seguir com o plano – disse Giácomo – deve ter acontecido alguma coisa.

– Tá, maluco! – Roberto gritou. – E qual é o plano?

– Ué? Pensei que você soubesse.

– Tudo bem! Vamos sem plano mesmo!

– Vamos para onde? – Tadeu indagou com a voz trêmula.

Roberto virou-se e deu um murro na cara de Tadeu, que caiu no chão.

– Não vem de viadagem comigo não! As ordens são para matar o máximo deles. Se possível, todos. Sacou?

Tadeu se levantou rapidamente com a Terminator em punho e encostou-a na cabeça de Roberto, dizendo com os dentes cerrados:

– Vai, babaca histérico, dá outro soco!

– Humm... enfim um pouco de macheza. Nem tudo está perdido.

– Para de fingir que é esperto e tenta novamente!

– Olhe para baixo! – Roberto pediu, com um sorriso irônico.

Tadeu olhou e viu a Terminator dele encostada em sua barriga. Sem ação e se sentindo desmoralizado, ele abaixou sua arma. Roberto fez o mesmo e disse:

– Agora que voltamos a ser amigos, vamos lá em cima detonar Akim e sua corja.


* * *

Um oficial se aproximou de Linterbaun e alertou:

– Senhor, detectamos três elementos armados se aproximando do nosso perímetro de segurança.
Linterbaun franziu o cenho e indagou:

– Que tipo de armamento eles possuem?

O Oficial passou a língua nos lábios e respondeu:

– Pistolas com mira laser, senhor. Mas o computador detectou outros modelos não classificáveis.

– O General vai gostar de saber disso.

– E nós, senhor? O que faremos?

– Mande três homens para interceptá-los. Não se preocupem com baixas, apenas evitem que se aproximem.

– Sim, senhor! – e prestou continência.
* * *

Tadeu, Roberto e Giácomo estavam próximos do lugar onde deveriam encontrar dois ou três sentinelas, mas o que viram foi uma câmera voadora que rastreava o lugar.

– Joguem-se no chão! – Roberto ordenou, com a experiência de quem foi Agente de campo durante
dezesseis anos.

A câmera em forma de morcego pairou sobre eles e prescrutou com a lente – ou sensor – todo lugar. Sabia que em breve eles seriam descobertos.

– Atacar! – Roberto gritou e levantou-se, destruindo a câmera com um disparo certeiro e saiu correndo até uma grande árvore, buscando abrigo.

– Esse é o plano? – Tadeu perguntou.

– Deve ser.

– Vou é cair fora!

– Acho que não – Giácomo disse e apontou a arma para a cabeça de Tadeu, que nem piscou.

– Todo mundo vai me apontar uma arma?

– Só se sentirmos que você quer desertar.

– Eu quero é sobreviver. A Terra já era, o futuro não existe e temos que enfrentar militares do século 25 sem ao menos termos um plano.

– Mesmo assim ninguém vai desertar. Entendeu?

Tadeu nem precisou responder. Vários disparos foram feitos na direção deles.

Jogaram-se no chão e rastejaram em direções opostas. Tadeu afastou-se o mais que pôde de Giácomo e levantou quando sentiu-se seguro o bastante para correr sem levar um tiro. Atrás dele, o tiroteio se intensificava.

No fundo de sua alma, amaldiçoava a Franco e toda Intempol.

Continua

sexta-feira, 1 de julho de 2011

A Intempol é caso de polícia: entrevista múltipla com alguns autores da série

Entrevista realizada em 2006 por Carlos Lopes, um dos baluartes do rock nacional e grande fã de ficção científica, e publicada no segundo número da revista virtual O Martelo. Foi a primeira vez em que boa parte do elenco de autores presente na antologia Intempol respondeu em conjunto a uma entrevista.

Carlos Lopes – Você já ouviu falar da Intempol? Não? A Intempol é uma agência policial vinda do futuro – brasileiro – , cuja missão é impedir que os vários meliantes desse universo alterem a nossa linha do tempo, e consequentemente o nosso passado. (Ou futuro?) Para explicar essa história, foram convocados os criadores dessa empolgante série (que pode ser encontrada em livros e HQs), que colocou o Brasil no panteão da ficção científica de primeira linha. São vários os membros dessa comunidade de escritores, mas as respostas desses cinco agentes (Octavio Aragão, Fábio Fernandes, Gérson Lodi-Ribeiro, Osmarco Valladão e Carlos Orsi) não decepcionarão os futuros estagiários.

Sempre achei ficção nacional um pastiche. Claro que poderia falar a mesma coisa do rock brasileiro, o que não estaria muito longe da verdade... Desde séculos passados (bem antes de Machado de Assis) há uma máxima no Brasil de inserir o deboche nacional dentro de um contexto “internacional” para legitimar . Talvez esse processo tenha chegado ao máximo nas chanchadas da Atlântida e no Tropicalismo. Como vocês veem a associação (ou transição) da brasilidade de um Macunaíma com a ficção "séria" como Solaris?


Octavio Aragão – Não acho que Macunaíma seja "menos sério" que Solaris. Cada um é "sério" a sua maneira (ou "irônico", dependendo do ponto de vista). Acho que nossa possibilidade de diferencial dentro da ficção científica seria não apenas em termos temáticos, mas na forma. Temos maneiras diversas de contar histórias, de "fabular", como preferem o Braulio Tavares e o americano Robert Scholes, que tem um livro ótimo sobre isso, o Structural Fabulation. Fico sempre pensando que a melhor FC nacional não seria aquela que busca reprisar o que é feito pelos anglos - e que ignora solenemente a produção de outros países, como França, Espanha ou mesmo a Rússia, como o citado Lem - , mas que procura uma mescla, um somatório entre elementos científicos ou fantásticos que são próximos de nós e uma linguagem rica, que é característica da literatura brasileira. O deboche é uma vertente válida, mas apenas uma delas. No caso da Intempol, o objetivo inicial era fazer algo mais leve, diferente da pretensão seriosa que se via na FC brasileira, encarando de frente a característica de produto. A Intempol é produto, sim, sem vergonha de ser feliz. No decorrer do processo da confecção do livro é que percebemos que poderíamos ter atingido um alvo diferente do pretendido inicialmente e o tal “produto”, quem sabe, poderia ser um pouco mais que mero entretenimento. Mas gosto de manter os pés bem plantados no chão. A Intempol "literária" é uma possibilidade, não a única. O grande lance aqui é contar histórias em diferentes mídias, seja pela literatura, seja pelos quadrinhos, por jogos ou quaisquer outras possibilidades. Uma FC que não leva em consideração o tempo em que vive, e a integração midiática, está condenada à irrelevância.


Fábio Fernandes – Acho que essa associação não precisa existir. Quando acontece, como em Piritas Siderais, do Guilherme Kujawski, ou em Santa Clara Poltergeist, do Fausto Fawcett (dois clássicos da FC cyberpunk brasileira dos anos 1990 que se encontram, infelizmente, esgotados), é ótimo, sensacional. Mas fico pensando se já não está na hora de nos desvincularmos dessa obrigatoriedade do rótulo de "macunaímico". Eu preferiria ser "mancunaímico", e me mancomunar com o que se faz de melhor na FC internacional, que é o que (na minha opinião) a Intempol conseguiu - tanto nos contos debochados quanto nos sérios.


Osmarco Valladão – Essa questão pode ser a mais importante do projeto Intempol. Como trabalhar com elementos de um universo ficcional que é basicamente americano e tentar ter uma "voz" brasileira, sem cair na paródia ou no plágio. Eu comparo com o momento nos anos 20, nos EUA, quando a tentativa de adequar a literatura policial à realidade daquele momento acabou criando a chamada literatura "noir". A Intempol é parte desse imensa "pesquisa" de uma linguagem brasileira para escrever fc.


Gérson Lodi – A brasilidade de um Macunaíma é a brasilidade dos tempos da Semana de Arte Moderna de 22 (do século passado!). A brasilidade do tempo dos nossos bisavós e, talvez, dando uma colher de chá, do tempo dos nossos avós. Mas é só. A brasilidade da FCB atual, onde se destaca o Projeto Intempol é a brasilidade do século XXI, aquela que compete de igual para igual aqui e lá fora e que não precisa do deboche para se afirmar, embora não abra mão do bom humor tipicamente brasileiro.


Carlos Orsi – Sempre achei o recurso brasileiro à paródia uma saída covarde, como se nas entrelinhas se estivesse dizendo "não consigo fazer igual, não consigo fazer melhor, então vou tirar um sarro", meio como aquele bispo anglicano que perguntou a um evolucionista se ele descendia do macaco por parte de pai ou de mãe – o tipo de chiste que só faz mostrar o tamanho da ignorância do piadista. Infelizmente, muitas vezes a reação à piada acabava sendo ainda pior, revestindo-se de uma sisudez quase parnasiana. Acho que a Intempol consegue fazer a transição da paródia à sátira, com o mérito de não usar o humor como pretexto para incompetência (passamos de "claro que não é uma aventura emocionante, é só uma brincadeira" para "é uma aventura emocionante E é uma brincadeira"), algo muito raro nas tentativas brasileiras de gerar, deliberadamente, um produto de cultura pop.

CL – Vocês acreditam que ao termos assistido, em abril de 2006, um astronauta brasileiro nos céus de "brigadeiro", esse fato pode fazer com que o povo se interesse mais por ciência? Mesmo, sendo uma nação subdesenvolvida, podemos almejar repartir o espaço, como foi feito na partição da Antártica?


Octavio Aragão – Claro! Os frutos dessa viagem estão reservados para daqui a duas gerações, quando o imaginário coletivo amadurecer o conceito de um brasileiro no espaço, objetivo hoje ainda "reservado" para as nações do primeiro mundo. O papel do Pontes foi esse mesmo: estabelecer uma "ponte" entre o brasileiro médio e o inatingível, seja em termos físicos ou sociais. Dar asas à imaginação. Mal ou bem, se você chegar num bar de esquina e perguntar a um frequentador o que ele relaciona com ficção científica, automaticamente virão as palavras "astronauta", "foguete" e "espaço". Ou seja, isso ele reconhece. Não adianta ficar falando em engenharia genética pra ele, pois vai ter dificuldades pra figurar do que se trata. Pode até intuir, mas não fará uma ligação direta. O espaço já é parte de nosso imaginário, queiramos ou não. Não há motivo, então, para não desejarmos (ou acharmos que não devemos) tomar parte em sua exploração.


Osmarco Valladão – Talvez num número muito pequeno de casos, mas no geral a resposta é que não acredito que o astronauta brasileiro, por mais admirável que seja esse fato, vá ser responsável por um aumento no interesse pela ciência. Podemos e devemos. Primeiro porque se o espaço será repartido com base na igualdade entre as nações e/ou seres humanos, então todas as nações tem direito. Segundo porque não reivindicar esse direito é praticamente assumir que seremos sempre algum tipo de nação de "segunda categoria" em relação aos EUA ou à Europa.


Gérson Lodi – A ida de Marcos Pontes ao espaço foi um evento pontual. Não creio que influencie o interesse do povo pela ciência a longo prazo. Se não for dada continuidade ao Programa Espacial Brasileiro, não será um feriadão passado por um astronauta brasileiro em órbita baixa que fará alguma diferença. Sim, temos direito de almejar nosso lugar no espaço extraterrestre. Também temos obrigação de parar com esse papo de nação subdesenvolvida. E a única maneira de fazer isto é investir firme em educação para que o país deixe de ser subdesenvolvido numa geração.


Carlos Orsi – Espero ardentemente que a viagem do Marcos Pontes ajude o brasileiro médio a se interessar por ciência. A cultura brasileira tem uma tradição de desprezo olímpico pelo método científico, que nasce na teologia católica e se prolonga até o pós-modernismo, e bem exemplificada na condescendência com que a elite intelectual do início do século passado recebeu, por exemplo, a teoria da relatividade. Quanto ao espaço, não se engane: os modelos de exploração da Antártida e dos recursos das águas internacionais, baseados numa divisão equitativa entre os países, com uma visão baseada em benefícios coletivos para toda a humanidade, etc, não vai se repetir. A exploração econômica do sistema solar, quando começar, será competitiva, dura e pesada. E o Brasil corre um sério risco de perder o bonde.

CL – Explique-nos exatamente qual a filosofia por trás da história da Intempol?


Octavio Aragão – O homem tem de lidar com suas fraquezas sempre. Por maior poder que tenha, mais será seduzido pelas saídas fáceis, pela ganância. As maiores ditaduras da história sempre começam sob a pecha de "mal necessário". A Intempol é nossa maneira de dizer "abre o olho", brasileiro. É uma alegoria do poder. Como seria se nós fôssemos um país de primeiro mundo? Como nós nos enxergaríamos? Pior: como nos enxergamos agora? Quem somos? Será que, para países vizinhos como Bolívia e Paraguai, o Brasil não é até pior que os Estados Unidos, em termos imperialistas? Será que enxergamos o mal em nós mesmos? Estamos tão acostumados a reclamar do patrão, que não conseguimos ver como somos cruéis e pouco humanitários com aqueles que estão em situação econômica aparentemente inferior à nossa. A Intempol é isso. Um olhar "de fora para dentro". Quando temos o poder, somos sempre o vilão de alguém.


Osmarco Valladão – A filosofia do projeto, na minha visão, é como falei na primeira resposta: um laboratório aonde se experimenta esse escorregadio caminho da fc brasileira. Já a filosofia das histórias seria que um poder infinito criará uma infinita corrupção, uma infinita incompetência, etc. Aliás, isso é interessante. A fc americana tende sempre a considerar que existe um grupo que saberá usar os avanços tecnológicos em nome de um "bem maior". Nós somos mais céticos, parece que vemos a corrupção como uma inevitável característica humana.


Gérson Lodi – Polícia Internacional do Tempo. Criada em teoria para proteger nossa linha temporal
contra a ação de cronoterroristas, certo? Perfeitamente. Em teoria. Como a polícia foi criada para proteger os cidadãos cumpridores da lei, né? Pode ser que isto dê certo em outros lugares. Mas, no Brasil? Aqui a Intempol adquiriu algo do jeitinho brasileiro e não me refiro só a ginga, não. Isto também. Mas junto com a ginga veio a truculência de nossas polícias políticas dos tempos da ditadura; a corrupção endêmica em todas as esferas não poderia ficar de fora; isto tudo e muito mais.


Carlos Orsi – Pessoalmente, escrevo para a Intempol para me divertir. É o playground que o Octavio empresta para os amigos.

CL – Sei que há divergências a respeito das várias realidades paralelas, em relação à uma (hipotética) viagem no tempo; se o viajante retorna, ou não, para a sua própria realidade (ou linha do tempo). Qual a sua opinião sobre o assunto?


Octavio Aragão – Eu não tenho opinião. Acho fascinantes todas as probabilidades e não descarto nenhuma. Encaro a todas como alternativas para contar boas histórias. Sou como o Indiana Jones: acredito em tudo até que me provem que não exista. Aconteceu há pouco um fato curioso: um ilustrador de um dos projetos em quadrinhos queria mudar o teor de uma das histórias, que tinha diversos paradoxos que pareciam conflitantes, dizendo "ah, isso aqui é impossível! Isso não existe". Esse tipo de pensamento é que eu considero perigoso. Quem acha que sabe o que existe e o que não existe é alguém que acha que sabe o que é certo e errado, e esses são os que não pensam duas vezes em impor sua visão de mundo aos outros. Na Intempol o cara pode ir, voltar, ficar ou não. Pode tudo, contanto que esteja inserido numa boa história.


Fábio Fernandes – Minha opinião é a de que não faço a menor ideia, e acho que é isso o que torna as histórias de viagens no tempo tão atraentes. Se elas de fato existissem e pudessem ser inteiramente explicadas, perderiam a metade da graça.


Osmarco Valladão – Acho que eu sou o pior cientista do grupo todo, mas vou arriscar: se considerarmos como inevitável que uma viagem no tempo cause alterações no passado, então o viajante fatalmente retornará para uma realidade diferente, uma realidade modificada pela sua viagem. E eu acho quase impossível que uma viagem no tempo não cause alterações. Elas podem ser mínimas naquele momento, mas multiplicadas por um " efeito borboleta"...


Carlos Orsi – Como ficcionista, adoto a resolução que melhor funciona para a história que estou escrevendo no momento. Como filósofo, não tenho opinião formada.


Gérson Lodi – Linhas temporais divergentes abundam no universo ficcional da Intempol. A maioria dos contos admite que a história possa ser mudada. Os agentes que viajam ao passado para proteger
a continuidade histórica e são bem sucedidos neste trabalho regressam para seu próprio presente. Se algo der errado... Bem, em princípio, tudo pode acontecer... e em geral o que acontece é o inesperado. :-)

CL – Que técnica é utilizada para ser viajar no tempo, desde sua criação em 1901 por Henry Armstead Gonzales até em 2010, quando a Wells-Kodama cria a primeira máquina do tempo "oficial"?


Gérson Lodi – Acho que esta pergunta cabe ao criador do universo responder.


Carlos Orsi – Essa é pro Octavio responder, acho...


Fábio Fernandes – Esta resposta é engraçada, porque eu e o Octavio surgimos com explicações diferentes, e o Octavio achou que seria ótimo colocar as duas (na verdade, se não me engano, existem até mais de duas), baseado naquela história em quadrinhos clássica do Vingador Fantasma (DC Comics) em que se contam nada menos que QUATRO origens diferentes para o surgimento do personagem - e o leitor que escolha a sua, pois o autor da história deixa em aberto. Mas, para não fugirmos do assunto, a minha explicação é a seguinte: a máquina do tempo de Henry Armstead-Gonzalez (com hífen, please: o hífen é importante, pois o sujeito é um traço de união entre duas etnias e entre duas épocas) funciona exatamente de acordo com o princípio da Máquina do Tempo de H.G.Wells, de quem ele era fã. Na novela A Revanche da Ampulheta, eu tento explicar o funcionamento e a origem da máquina (ou confundir ainda mais o leitor, pois o surgimento da máquina é uma espécie de paradoxo positivo, ou seja, houve uma interferência de outra época para que a máquina pudesse ser construída efetivamente. Os anos entre 1901 e 2010 mereceriam uma história à parte, que (salvo engano) ninguém escreveu ainda. Mas acredito que os agentes da Intempol podem se deslocar com razoável grau de liberdade entre essas épocas. Não se esqueça de que, uma vez criada a máquina do tempo, podem ser realizadas viagens para todas as épocas da humanidade (tirando os Anos Interditos, mas isso aí é informação confidencial). ;-)


Osmarco Valladão – Até aonde eu sei, a técnica é digitar a data na caixa, passar o cartão e torcer para funcionar. Sinceramente, não tenho a menor ideia de como a coisa funciona. Mas eu não sou um agente de nível muito alto.

quinta-feira, 30 de junho de 2011

A Guerra dos Imoles, 9ª parte - uma noveleta de Roberval Barcelos

Deuses de terracota

Ferreiro estava com as mãos calejadas de tanto macerar ervas e folhas. Parou por alguns minutos. Olhou ao redor e viu, num canto, as imagens em terracota de Elegüá – Exu – tanto de cabeças enfeitadas por alguns búzios que marcavam os olhos, boca, nariz e orelhas, ou na forma de falos eretos, símbolos da virtude e da virilidade.

Enquanto admirava aqueles ídolos tão antigos quanto a sua própria cultura, ficou imaginando que tipo de mensagem chegaria ao Babalaô.

Como uma resposta divina, um negro, com um gorro metade preto e metade vermelho, vestindo uma tanga que parecia se r um tecido grosseiro tingido de preto e vermelho, mas sem qualquer simetria, apareceu bem na sua frente. Parecia exibir um sorriso irônico.

– “Larôi-yiê”, Exu! – Ferreiro disse em saudação ao sarcástico.

De repente, num instante divino, o deus falou. Era uma mensagem dos outros deuses:

– A guerra é dos homens e dos deuses. Não só dos deuses e não só dos homens.

Ainda recuperando-se da surpresa em ouvir a voz do deus mensageiro, Ferreiro balbuciou: – Mas os
homens têm poucas chances contra os deuses.

– Pouca, mas não nenhuma. Lutem pelo que acreditam e escolherão seu futuro – o deus replicou e
desapareceu. Ferreiro mordeu os lábios e olhou para as imagens em terracota. A escolha já estava feita, mas teriam que lutar para sobreviver.


* * *

Franco foi na direção de Afisi em companhia de Roberto, Giácomo e Tadeu. O africano estranhava a pele branca dos agentes, mas tentava aparentar indiferença.

– Afisi, nós viemos te agradecer pela ajuda.

– Ajudei porque não quero estranhos nos ditando regras. Sejam estranhos amigos ou inimigos.

Franco entendeu o recado. Nem amigos nem inimigos. Seria Afisi o primeiro nacionalista africano?

– Nós só queremos ajudar. – disse Franco – Foram os homens de Akim que instigaram o ataque e
destruíram a outra aldeia. Nós não os trouxemos aqui, apenas viemos no seu encalço para detê-lo antes de causar estragos irreversíveis para vocês.

– Pode trazer de volta as vidas que se foram desde que vocês chegaram?

– Não Afisi – Franco sacudiu a cabeça com pesar.

– Isso não podemos fazer.

– Então os estragos irreversíveis já aconteceram e vocês não conseguiram evitar.

Franco não gostou da objeção. Quando o africano deu-lhe as costas, ele o puxou pelo ombro, virando-o de frente novamente e dizendo com os dentes cerrados:

– Acha que somos os responsáveis? – apontou para uma cabana que virara cinzas – Viemos aqui para evitar que Akim os corrompa e os desvie de seu caminho. Vocês têm um futuro grandioso à sua espera e mui ta coisa dependerá do que for feito aqui.

Afisi franziu o cenho e devolveu:

– Se quer tanto assim nos ajudar, então pare de afrontar os deuses. Eles não querem que exista um “élégun” e você vem nos dizer que enfrentá-los é a escolha certa? Que futuro podem os homens esperar se confrontam seus próprios deuses? Eu já disse: nenhum estranho vai nos dizer o que devemos fazer. Nenhum.

E dessa vez saiu sem ser impedido.

– Que crioulo safado! – Roberto esbravejou, já com a mão na Terminator – Vem aqui, mata uns manés,
tira maior onda de fodão e sai esnobando nossa ajuda!

– Guarde sua arma, Roberto.

– Vai se foder, Franco! Ao que me consta, a Empresa não existe mais e sem ela foi-se a hierarquia.

Num piscar de olhos, a Terminator de Roberto estava na mão de Franco, que devolveu-a com uma
advertência:

– Não tente quebrar a hierarquia, agente Roberto Alves. Isso pode ser muito perigoso.

Com ódio no olhar, Roberto guardou de volta a Terminator e saiu a passos largos, deixando os três para trás. Franco deu de ombros e prometeu a si próprio demitir todos os Psicólogos da Empresa quando retornasse. Em seguida, olhando para Tadeu, lembrou-se que os Psicólogos haviam sido demitidos e substituídos pelos psico-historiadores excedentes.

Franco resolveu voltar para a cabana do Babalaô com Giácomo e Tadeu para preparar o revide a Akim, antes que este se sentisse poderoso o bastante para arriscar um ataque mais direto à aldeia. Deveria planejar com cuidado, pois o futuro voltou a ser território desconhecido e até errar tornou-se possível.

No caminho, ele olhou para o céu azul e para uma árvore que era mais alta do que as demais. Olhou para aquela vastidão azul que parecia maculada somente pelo verde das folhas que se projetavam ao alto, esperando que um pássaro saísse de seus galhos.

Segundos depois, um pássaro saiu em meio a folhagem e alçou vôo até sumir da vista de Franco.

– Esperem! – o deus (ou ex-deus, se prevalecer a visão de Roberto), abriu os braços e parou Giácomo e
Tadeu, que tentavam entender o que se passava desta vez.

Franco sacou sua Terminator, sendo imitado pelos outros dois que, apavorados, olhavam em todas as
direções.

– O que foi, Franco? – Tadeu perguntou, segurando desajeitado a arma.

– “Déjà vu”! – Franco respondeu.

– Viu o quê? – Giácomo indagou. Ninguém mais do que ele detestava meias-respostas.

– Eu disse “déjà vu”. É quando um momento do tempo se repete sem nos darmos conta.

– Então como você sabe? – perguntou Tadeu

– Porque sei – respondeu, cansado de ter de dar satisfações a subordinados – Isso já aconteceu e vem se repetindo.

“Falo do instante em que Roberto se afastou de nós até o pássaro levantar vôo – apontou para a copa da árvore de onde o pássaro voou. – Deve ter acontecido quatro ou cinco vezes, nem eu sei precisar.”

Em seguida uma gargalhada de escárnio. Franco reconheceu o deus mensageiro e indagou aos outros dois:

– Estão vendo? – os outros, ainda segurando suas armas, sacudiram a cabeça e acharam que Franco estava maluco.

Franco não disse mais nada. Era óbvio que eles não viam Exu, o futuro Orixá que, segundo o “Oriki” (verso sagrado): ‘é aquele que acerta o pássaro ontem com a pedra que arremessou hoje’. Isso, para Franco, queria dizer que este deus está diretamente relacionado ao controle do tempo.

Nenhum som. Franco sabia que não estava surdo e sentiu o ar mais pesado, parado, como num dia sem
brisa. Devagar, olhou para trás e viu Giácomo e Tadeu imóveis como estátuas. Descobriu que estava noutra escala do tempo. Detestava isso.

– Pare de rir, Mensageiro dos Deuses, e diga-me o que fazer.

Exu parou de gargalhar, levando o indicador aos lábios.

Desapareceu. Franco nem reparou que estava em tempo normal e que Tadeu e Giácomo bombardeavam lhe com perguntas de todo tipo. Sem prestar atenção, seguiu com passos decididos rumo a cabana do Babalaô.

* * *

– Preciso consultar Ifá – Franco pediu ao Babalaô.

– Se quiser saber mais sobre o futuro, saiba que nada mudou desde a última vez que consultei. O conflito é iminente e o desfecho é incerto.

– Quero saber sobre um homem.

– E por acaso esse homem é você?

Franco engoliu seco e devolveu:

– O homem é Julian Akim, nosso inimigo.

O Babalaô ficou em silêncio, olhando dentro dos olhos de Franco e tentando achar as palavras:

– Sim, nosso inimigo. Vai confronta-lo?

– Melhor do que esperar o próximo ataque.

O Babalaô adentrou na cabana com Franco e apanhou as favas, o pó do Axé, a tábua e iniciou o ritual que antecede a consulta. Saudaram Orunmilá e prepararam-se para as perguntas. – Devemos atacar Akim?

O Babalaô jogou as favas três vezes e mandou Franco abrir a mão esquerda. Lá estava um pedra preta.

– Não. Orunmilá diz que mais importante nesta guerra é o “élégun”. Foi essa a resposta de Orunmilá.

– Isso não é uma resposta clara!

– Então interprete-a e tire suas próprias conclusões! Está claro que esse ataque não importará para o desfecho da guerra.

Franco estava frustrado. Na Empresa, o ataque e suas conseqüências eram bastante conhecidos, mas com o fim do futuro, tudo era incógnita. Na dúvida, decidiu manter o plano original.

– Obrigado, Babalaô. Já sei o que fazer.

Disse e saiu, após saudar Ifá. Enquanto o Babalaô recolhia seus apetrechos, Chico Ferreiro entrou e foi logo indagando:

– Ele ficou frustrado com alguma coisa, não foi?

– Sim. Com sua incapacidade de ver além.

– Isso é muito ruim?

– Não, muito não. Apenas ruim.

* * *


Tadeu e Giácomo conversavam com Roberto quando Franco surgiu afoito e arrogante:

– Preparem-se para atacar!

– Quem? Aldeões ou Akim? – Giácomo indagou.

– Akim – respondeu com firmeza.

– Se ficarmos contando com ajuda do tempo, corremos o risco de perder o futuro de vez.

– E quanto a matar? – a indagação de Roberto Alves tinha endereço certo.

– Quantos puder, Roberto.

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Dealing with deadlines: Interview with Ellen Datlow


She is one of the most successful editors of short SF&F stories anthologies, with more than 40 titles born thanks to her talented hands. Now this winner of the Hugo Award for Best Professional Editor in 2002 and 2005 talks to the Intemblog about her working methods, her career and how she actually deal with those famous superstars writers, such as Stephen King and Harlan Ellison. With you, Miss Ellen Datlow.

***

Octavio Aragão: You are one of the most successful editors in the SF&F literary field. How was your debut and why you chose this area?

Ellen Datlow: My first job in the field of sf/f was as associate fiction editor at OMNI Magazine. Before that I deliberately chose to work in mainstream (non-genre) book publishing because although I loved reading fantasy, science fiction, and horror I didn't want to be forced to edit only one type of fiction.


OA: Among the more than 40 anthologies you edited which is your favorite and why? And which one was the more difficult to accomplish?

ED: It's really impossible to choose one favorite anthology. I've enjoyed editing all of them for different reasons.
 
My early ones: Blood is Not Enough and Alien Sex were filled with both reprints and new stories. By using those reprints, I was able to develop the core of the theme I was working with and could use stories that I'd read in the past and loved, and wanted to introduce to new readers. Blood is Not Enough and A Whisper of Blood (also my forthcoming Blood and Other Cravings) allowed me to broaden and even challenge the concept of the vampire with regard to what vampirism can encompass--not just blood sucking,  and proved how versatile the idea and image of the vampire can be despite the usual, dull reworkings of the trope.

Salon Fantastique, The Del Rey Book of Science Fiction and Fantasy, and Inferno – because they were non-theme anthologies, they allowed me (and Terri Windling for Salon Fantastique) the freedom to publish whatever we chose that I felt fit within the sub genres I was working in.

The Year's Bests are always a pain and a joy – a pain because I have so much reading to do for it (I try to read or at least skim every short story in English that I'm aware of) but a joy to showcase the stories I love.

Most recently, I've really enjoyed editing
Supernatural Noir, which combines two of my favorite things: noir and the supernatural.


OA: You work with some the best SF&F authors of England and USA and we know how creative people can be difficult sometimes. Any curious event you could share with us?

ED: While at OMNI, because it was a "slick", that is, mass market magazine with national distribution and relied on advertising, advertisements could be sold up to the last minute that the magazine was going through the production process.  So ads would sometimes be dropped or be added near the end of every monthly production schedule. And those ads had to fit into the magazine somehow.--at the expense of editorial material.

For most of my seventeen years at
OMNI I had to cut and add text from the stories I published, (with the cooperation of the authors). This didn't mean cutting huge swaths of text but it was more like surgical precision – cut a stray word or phrase here, or remove a paragraph break. Add a few more paragraph breaks, etc. Occasionally, I had to work with an author to cut 100 lines (not full lines but still a lot). This happened with Stephen King. I made all the possible cuts and then after two days of going through his agent I was finally on the phone with Mr. King. I was very nervous because if he didn't approve the cuts we'd have to cut the story from the issue. We went over my cuts, line by line and he was charming and cooperative and I was so very relieved. The funny part is that we came to one cut that was a joke made as an aside, in a parenthesis. That was the only thing he requested I put back if there was room (there wasn't) and I told him he could use it in another story – don't know if he did.  So he was the opposite of difficult. He was professional and gracious about the whole thing.

Happily, the last few years at
OMNI this was no longer an issue because we used computers to set the text, making everything more flexible and making it possible to avoid those horrible cuts and adds.



OA: How do you build an anthology? Which are the steps to a well succeeded collection of short stories?


ED: It depends on the type of anthology. For a theme anthology of original stories I always begin with a theme in which I’m interested. Then I contact writers I'd like to include in the anthology (leaving some room for serendipity, i.e. the unexpected submission received through word of mouth) and ask if I can count on them to write a story for me should the anthology sell (there is never a guarantee that the writer will/can actually produce a story or one that I can use). I write up a proposal using the names of the writers who have committed to it, and my agent will try to sell the proposal.

Then I wait for the submissions, encouraging the writers periodically and asking how their stories are coming along. I usually receive most of the stories before my deadline. There's more flexibility in the type of story I'll buy in the beginning of the process. As the anthology begins shaping up I'm much more careful of repetition in point of view and sub-themes.

A couple of months before my deadline I start nagging, and I also may alert the writers who haven't yet submitted their stories that I don't want any more of a particular type of story. And I try to make sure I have enough stories coming in. If not I may contact a few other writers and ask for stories.

A month or so before I hand in the finished manuscript I do the final line edit of each story – although for most of the stories I've already worked with the author on any substantive editing before I've committed to buying the story. But every story gets a final and thorough line edit towards the end of the process.

At this point I write an introduction, often using my proposal and guidelines to the authors as the germ of the intro. I also arrange the stories in an order I think works for the stories’ presentation. The first and last stories are the most important placements.  The first one needs to be inviting to the reader—not too long, not too difficult to get into. The last is often the story that the editor feels is the strongest or one of the strongest in the anthology. Or sometimes I’ll put in a few very strong stories at the end and then finish with a “grace note.” Obviously, one can’t guarantee that readers read the stories in order but I have to make my decisions on placement assuming that they will.


 
OA: Which one of your books was you best seller hit? And how the new e-books market affected your line of work?

ED: Snow White, Blood Red edited by Terri Windling and myself sold 72,000 in mass market copies over the years it was in print. Last year it was reissued by Barnes & Noble in hardcover with a new jacket, and is already going back to press for a second printing. We’ve gotten royalties the longest from that one. But several other of my books (with or without Terri) earned royalties for several years: The Dark, A Wolf at the Door,  Blood is Not Enough, Black Thorn, White Rose, Alien Sex, and a few others.

I’m hoping more readers will be buying anthologies for their nook, kindle, ipad, and other e-readers. So I’m optimistic.


OA: Thank you very much, Miss Datlow!

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Atenção, jovem autor: Card & Kastenmindt têm uma proposta para você

Concurso Hydra de Literatura Fantástica Brasileira

O concurso Hydra, uma parceria entre a revista eletrônica norte-americana Orson Scott Card’s Intergalactic Medicine Show e o website brasileiro A Bandeira do Elephante e da Arara, visa expor o melhor da literatura fantástica brasileira para leitores em língua inglesa do mundo inteiro.

Um painel composto por três juízes selecionará três finalistas entre os contos de literatura fantástica publicados no Brasil pela primeira vez nos anos de 2009 e 2010. O conto vencedor será selecionado pelo escritor norte-americano Orson Scott Card, autor dos livros Jogo do Exterminador e Orador dos Mortos e um dos escritores mais premiados de ficção científica no mundo.

Card diz, “Desde a época em que vivi no Brasil no começo dos anos 70, a nação e o povo do Brasil têm sido importantes para mim. É por isso que em Orador dos Mortos, os colonos são brasileiros que falam português! Quando voltei para o Brasil há vinte anos para participar de uma convenção de ficção científica, fiz novas amizades e li o trabalho de alguns autores estimulantes. Continuo seguindo o panorama de ficção científica brasileira, e tenho orgulho que a IGMS facilitará a apresentação de alguns destes escritores aos leitores americanos. Até agora, leitores americanos têm pouca idéia da quantidade de bons trabalhos que estão sendo feitos no nosso gênero no Brasil.”

O conto vencedor receberá tradução para o inglês feita pelo escritor Christopher Kastensmidt, finalista do Prêmio Nebula de 2010, e organizador do Concurso Hydra. O conto vencedor também será publicado na Orson Scott Card’s Intergalactic Medicine Show (IGMS), com pagamento profissional.

Edmund R. Schubert, editor de IGMS diz, “Desde o lançamento online da revista, publicamos histórias do mundo inteiro, mas apenas das partes do mundo onde falam o inglês. Esta oportunidade de buscar literatura brasileira, onde não há apenas um outro jeito de falar mas também de pensar, é emocionante. América do Sul e América Latina são conhecidas de longa data por incorporar realismo mágico em sua ficção, o que é uma novidade perfeita para a IGMS investigar. Estou bastante animado para ver as histórias que chegarão para nós deste concurso.”

O organizador Christopher Kastensmidt diz, “A comunidade brasileira de ficção especulativa produziu centenas de histórias excelentes durante os últimos anos, mas poucos chegaram aos leitores de outros países. Esse concurso é uma chance de mostrar aquele talento para o mundo. Intergalactic Medicine Show reconhece que o mundo da FC se estende muito além dos EUA, e agradeço de coração o apoio deles neste evento. Acho que vai ser um grande momento para nossa comunidade aqui.”

O nome do Concurso Hydra vem da constelação. Sendo um grupo de estrelas com nome de um monstro mítico, a constelação Hydra é símbolo da fantasia e ficção científica produzida pela comunidade de escritores de ficção especulativa. A constelação atravessa a equador celestial, unindo os hemisférios celestiais norte e sul, da mesma maneira que o Concurso Hydra espera juntar os hemisférios norte e sul de ficção especulativa. A constelação Hydra também aparece na bandeira brasileira.

As inscrições serão abertas de 01 de julho até 15 de agosto, e todos os autores brasileiros com contos de ficção científica ou fantasia publicados em 2009 e 2010 são encorajados a participar. O regulamento será disponibilizado em breve no website parceiro Universo Insônia  Não existe taxa de inscrição, e o vencedor receberá tradução do conto para inglês e contrato de publicação na IGMS, com pagamento padrão da revista.


sábado, 11 de junho de 2011

A Guerra dos Imoles, 8ª parte - uma noveleta de Roberval Barcelos

Segunda batalha

Akim catalogou quarenta aldeias num raio de cem quilômetros. Algumas controlavam extensos territórios e outras se limitavam a uns poucos campos de caça. De qualquer forma, ele sabia que o que procurava estava naquela aldeia nas margens do rio que mais tarde será conhecido como rio Oxum. Ao menos era o que lhes diziam os “eguns”.

– Linterbaun, quero que reúna as aldeias aliadas e prepare-as para um ataque.

– Desculpe, General – Akim virou o rosto, pois era muito raro seu fiel ordenança lhe objetar qualquer
coisa. – Mas nós podemos fazer isso em menos tempo e com mais facilidade.

Akim pôs as mãos para trás e rebateu:

– Você não entende. Se nós atacarmos a aldeia, eles fugirão e nunca saberemos quem é o “élégun”. Se outros como eles os atacarem, os aldeões se comportarão como um povo conquistado e aceitarão melhor sua nova situação.

Assim, chegaremos ao “élégun” porque certamente ele estará protegido contra qualquer perigo.

– Mas o ele... elé-gus... elêgun... seja o que for, poderá fugir do mesmo jeito, General.

– Não Linterbaun, não fugirá. Se submeterá porque é assim nesta época e neste lugar. Ele achará que poderá continuar sua missão sob novos senhores. Aí, quando estiver exposto, nós o pegaremos e o manteremos em cativeiro até os “igbá-imolés” chegarem. Meu pai Ogun virá na frente, abrindo os caminhos e então, lhe darei o prêmio máximo e o levarei para nossa época, para exterminar nossos inimigos.

Linterbaun não fez nenhum comentário. Seriam inúteis. Bateu continência e retirou-se para cumprir
ordens.

* * *

Chico Ferreiro e o Babalaô separavam as plantas que usariam na oferenda e na preparação do “élégun”.

Faltavam algumas plantas e as aves requeridas já estavam com as “iá-petebis” . Entre os dois ficava a certeza de que o tempo urgia e não estava a seu favor.

– Penso se Adebisi está preparado para tamanhos conhecimentos – disse o Babalaô, sem perder um detalhe do trabalho de Ferreiro.

– Ele tem que estar, afinal é o primogênito de uma nova ordem de iniciados.

– Então devo chamá-lo?

– Sim, deve.

O Babalaô fez um sinal para uma das “iá-petebi” que saiu dali em silêncio e retornou minutos depois com Adebisi.

– Querem falar comigo?

– Queremos mais do que falar – disse Ferreiro. – Queremos que fique e aprenda.

Adebisi olhou de soslaio para o Babalaô e pareceu descrente:

– Posso?

– Sim, Adebisi. é chegada a hora do escolhido dos deuses mostrar o que sabe e o que pode aprender – disse o Babalaô.

– Mas eu... não sei nada – objetou, encarando firme Ferreiro. – Como posso ensinar?

– Então fique e aprenda – respondeu Ferreiro.

Adebisi ficou.

Ferreiro estava exultante. Por uma dessas peças que o destino nos prega, lá estava ele, na África primitiva, diante do primeiro “élégun” e de um dos primeiros Babalaôs, testemunhando o alvorecer de sua religião. Embora não tivesse certeza de que voltaria para sua época ou se o mundo inteiro sobreviveria aos “igbá-imolés”, ao menos estava participando ativamente daquilo que, no futuro, lhe ensinarão como se fossem lendas.

Para Adebisi, Ferreiro era um professor e tanto, capaz de prender sua atenção e sorrir de satisfação quase como se o venerasse. Quando Adebisi queria aprofundar-se em algum assunto, o velho Chico interrompia dizendo que tal conhecimento lhe seria passado pelos deuses.

– E se o mundo for destruído?

Ferreiro e o Babalaô se entreolharam, e este respondeu:

– Ao menos um de nós morrerá depois de ter aprendido muita coisa.

E as ‘aulas’prosseguiram.

* * *

Adebisi admirava o trabalho de Ferreiro macerando as ervas e folhas que recolheu na mata com as “iápetebis”.

O velho estava sentado no chão, sobre uma esteira e com uma bacia de barro entre as pernas, onde
misturava o sumo das ervas e folhas com a água enquanto recitava algumas orações.

– Para quem é isso? – Adebisi perguntou.

– Para você – o iorubá de Ferreiro era impecável. – Quando chegar a hora, você tomará um banho com esta água de ervas da cabeça aos pés e, em seguida, fará todo resto.

– Que resto? Tudo aquilo que você me ensinou?

– Aquilo e muito mais do que você sabe agora.

– Xi! Mais complicação!

Ferreiro sorriu e continuou o trabalho enquanto as “iá-petebi” traziam mais ervas e folhas. Adebisi apenas observava e aprendia.

* * *

Giácomo e Roberto Alves caminhavam pelas bordas da aldeia e eram objetos da curiosidade de todos, afinal eram brancos, altos e usavam roupas estranhas. Ao passarem por um grupo de mulheres, Giácomo ensaiou um cumprimento, mas elas se viraram envergonhadas e riam baixinho enquanto eles passavam.

– E aí, Giácomo? – Roberto indagou em tom de deboche. – Vais encarar? Vamos ter que ficar por aqui
mesmo.

– Tá difícil, Roberto. Elas são muito ruins e cheiram mal. Não dá para encarar, não.

– Engraçado como as coisas mudam. Não era você que ficava dizendo que ‘não existe mulher feia, você é que bebeu pouco’?

– Dizia sim. Só que até a bebida daqui é questionável, sem falar no cheiro estranho. Acho que um pouco de abstinência sexual pode até me fazer bem. Ao menos por hora.

De repente, como se viesse do nada, uma lança quase acertou Roberto, que abrigou-se atrás de uma árvore.

Imediatamente, ele e Giácomo sacaram suas Terminators. Seria um atentado?

Em minutos, uma gritaria veio da aldeia. Diante deles surgiram quatro guerreiros cobertos com a pele de algum animal e armados com lanças e facas de madeira. Nem faziam idéia das armas dos dois agentes.

Azar deles. Com quatro disparos certeiros, Roberto e Giácomo mataram os quatro e voltaram para aldeia, que estava sob ataque.

* * *

Franco sentia-se um zero à esquerda prostrado na esteira. Levantou-se devagar e caminhou até o lado de fora da cabana, onde encontrou Chico Ferreiro e o Babalaô separando folhas verdes. Ao lado deles estava Adebisi que olhava com curiosidade colegial e as “Iá-petebis” que obedeciam a todas as ordens, indo e vindo com folhas e pequenas aves.

O homem branco, que ainda tinha seus poderes advindos da tecnologia, sentiu algo errado. Mas, como nada mais parecia fazer sentido, era difícil distinguir anomalias de risco imediato.

– Tem alguma coisa errada aqui! – as palavras de Franco soavam vacilantes, mas chamou a atenção dos outros.

– O que é que tá errado, fio? – Ferreiro indagou sem parar de fazer a seleção das folhas.

Franco não respondeu, olhou na direção da trilha, de onde vieram dois meninos, que avisaram:

– A aldeia está sendo atacada!

Ele nem perguntou quem atacava. Recolocou seu anel de volta no dedo anular e saiu dali numa velocidade tamanha que parecia ter desaparecido sob os olhares de todos.

Em dois segundos Franco chegou à aldeia, que estava sendo atacada não pelos homens de Akim, como ele esperava encontrar, mas sim por guerreiros negros. Gente que ele esperava proteger.

De repente, sentiu uma ameaça vindo de trás. Quando se virou, viu uma lança aproximando-se como se fosse um filme rodado em câmera lenta, mas seus poderes eram quase divinos e bastou ele vibrar noutra escala do tempo para que tudo se movesse tão devagar que parecia estático. A lança pendia solta no ar e as chamas das cabanas mal tremulavam, enquanto os rostos eram expressões mudas daquela violência.

Franco distinguiu amigos de inimigos e correu entre eles, golpeando alguns e arrancando as armas de
outros. Esperava que os atacantes atribuíssem esse fato a uma intervenção dos deuses e fugissem em pânico.

Em tempo normal, os atacantes sentiram fortes pancadas em seus braços e constataram que suas armas
haviam sumido. Estavam desarmados e machucados diante de um inimigo que reagia com força. Espantados, eles se preparavam para fugir, mas outra leva de guerreiros veio juntar-se a eles, vinda de outras aldeias, devolvendolhes a coragem. Havia agora um atacante para cada habitante da aldeia.

Franco sentiu-se idiota. Fora muito eficaz para provocar medo, mas não para desencorajá-los. Quando
preparava uma nova investida, sentiu o chão tremer debaixo de si.

Surpreso e sem identificar o atacante, passou para outra escala de tempo, ainda mais rápida que a anterior, e viu tudo parado, sem som. O ar pesado por causa da ausência de movimento. Deslocou-se para fora da aldeia, onde poderia confrontar seu oponente sem correr o risco de ferir alguém, mas não encontrou ninguém.

Como que respondendo a uma pergunta não proferida, um negro sorridente, cabeça coberta por uma
carapuça vermelha e preta surgiu diante dele. Vestia um saiote de pele de animal tingido de vermelho e preto, mas sem qualquer simetria. Franco tentou reconhecer se seria um “Irú n-imolé” ou... não.

O Ser fez um sinal, apontando com o indicador o dedo anular da mão onde Franco usava o anel.
Dor!

De alguma maneira Franco foi golpeado na barriga e no peito. Doeu muito e o Ser continuava no mesmo lugar, olhando com curiosidade para ele. Franco voltou para o tempo normal e não viu sinal da batalha, apenas o vai e vem de mulheres e homens, sem qualquer sinal de luta anterior.

Fora jogado no ontem!

Franco logo entendeu que, de alguma maneira, o Ser mexeu no tempo. Em seguida, retornou ao presente, bem no meio da batalha.

Como o Ser fez isso?

Franco saltou para tempo rápido, numa escala tão mais rápida que até o ar estava pesado. O Ser estava ali com ele, rindo e apontando para sua Terminator. Quando Franco pensou em usar a arma, voltaram para tempo normal e a batalha estava bem diante dos seus olhos e ouvidos.

Depois de alguns segundos, foi possível descobrir quem era o Ser. Ele não queria que Franco usasse seus poderes tecnológicos. Ao menos não nesta época. Não era um “Imolé” inimigo, mas um futuro Orixá, que parecia ter entendido que fora reconhecido e, sem fazer qualquer gesto, desapareceu.

A batalha continuou e Franco destravou sua Terminator para mirar num guerreiro inimigo. Quando ia
atirar, uma lança passou perto de sua cabeça, mas tão perto que por pouco não o acertou. Franco, surpreso, constatou que a lança não se destinava a ele, mas sim a um guerreiro inimigo que estava bem próximo, com uma faca de madeira na mão. Seja quem for que arremessou aquela lança, salvou-lhe a vida.

– Não descuide durante uma batalha.

Era o dono da lança, um africano corpulento que chegou com reforços e que atacavam os invasores.

– Diga-me o teu nome! – a curiosidade de Franco era sincera. Quando chegou nesta época, achava
impossível ser surpreendido por qualquer fato. Agora estava acostumado a surpresas.

– Afisi! – bradou o guerreiro, mas estava indiferente e voltou-se para batalha.

O embate prosseguiu. Os guerreiros da aldeia se animaram com os reforços que chegaram com o tal de Afisi e revidaram com renovado entusiasmo o ataque. Roberto e Giácomo também lutavam, apesar da vantagem tecnológica das Terminators.

Franco sorriu. Os homens de Afisi e – pasmem! – Roberto e Giácomo, derrotaram os inimigos. Todos os sobreviventes fugiram.

Que havia muita coisa errada, Franco já sabia, mas nunca imaginou que logo Exu, mensageiro dos Orixás, viesse lhe dar o terrível recado: não deveria usar seus poderes aqui.

* * *

Franco nunca levou a sério esta história de deus intempoliano mesmo depois de fazer coisas que muitos dos mais cépticos chamariam de impossível. Para ele, seus poderes eram uma dádiva de séculos de evolução tecnológica da raça humana – talvez a mais enigmática raça a habitar o universo. A divindade seria um escárnio ou uma atribuição exagerada dos crédulos das Eras pré-industriais.

Fazer o quê? Nos corredores da Empresa correm histórias e nem tudo é do conhecimento de todos,
principalmente as dádivas divinas do Nível 6, que, segundo as lendas, teriam sido partilhadas somente com o Comissário Fraga numa das mais enigmáticas missões de todos os tempos (e tempos alternativos).

Ele era só um universitário em Palmares quando foi recrutado para trabalhar numa empresa cuja extensão dos tentáculos ele sequer imaginava. Lá dentro, soube que já era esperado e que o universo era maior do que supunha a vã física de sua Linha Temporal. Foi enviado para uma filial numa LT onde os nazistas venceram a Segunda Guerra Mundial e dali foi transferido para outra onde a China capitaneou a descoberta da América. Antes do previsto, foi alçado a uma qualificação superior, que lhe garantiria o acesso a uma tecnologia capaz de confundílo com uma divindade. Daí em diante, entrou para o rol das lendas e passou a ser referido como ‘deus’, embora não fosse sequer figura conhecida – graças a Deus!

– Pensando na vida, mizinfio?

Franco virou-se num sorriso formal para Ferreiro. Na LT de onde o velho veio, Palmares nunca formou uma nação independente. Ele foi para o Brasil com as três princesas africanas para plantar o axé e consagrar as primeiras Ialorixá s do Candomblé.

– Sim, meu velho. Pensava inclusive naquelas vidas que poderíamos ter tido.

– Úiii, mizinfio! Vosmecê fica aí remoendo o passado...

– Eu não disse isso!

– Eu sei. Nem poderia, porque vosmecê nem mais conhece o tempo como ele é. Pra vosmecê o tempo virou um lugar de onde se vai e se volta quando se quer, não é?

– Mais ou menos. Nosso ‘quando’ também pode ser ‘onde’: “Quando” Palmares foi estabelecida e “onde” ela vingou ou não. Quando os africanos foram escravizados na América e onde nunca puseram os pés lá. São esses ‘quandos’ e ‘ondes’ que nos trazem aqui, meu velho. Ferreiro franziu o cenho e parecia estudar o rosto do jovem que o olhava com admiração – E ‘quando’ os Orixás foram até os homens – começou Ferreiro – ‘onde’ eles fracassaram? Franco sabia que estava diante de um homem bastante sábio. Não mediu as palavras.

– Talvez você não entenda tudo o que vou dizer, mas os deuses da Mãe África são uma possibilidade remota – remotíssima – e temo que nada possa fazer frente à ameaça que vem, nem mesmo meus poderes.

– Poderes, mizinfio? – Ferreiro estava boquiaberto.

– Vosmecê fala como se fosse um Orixá.

– Não, meu velho. Estou longe disso.

– E que poderes são esses?

Franco abriu os braços e respondeu:

– Estamos aqui, não estamos? Esse é o meu poder: manipular o tempo.

– O homem não precisa de poder porque é inteligente demais para isso. Quando eu nasci mal se andava de carroça, quando fiz sessenta anos já se voava. Poderes são para os deuses que não sabem que precisam aprender sempre e sempre.

– E o que se ensina para os deuses?

– Muita coisa – Ferreiro sorriu, – por isso eles estão aqui e vosmecê ainda não entendeu.

Disse e saiu. Deu-lhe as costas e voltou aos seus afazeres, ditando à “Iá-petebi” as ervas e animais que queria.

Franco ficou com novas divagações. Foi interrompido de seus pensamentos por Roberto:

– Agora você vai falar, seu merda! – Roberto estava com a Terminator em punho. – Alguma coisa nos
prendeu neste tempo e sabemos que você sabe o quê se passa aqui. Vai falando logo! Tadeu tentou demover Roberto de uma atitude mais radical e o resultado foi uma coronhada que fez o psico-historiador cair. Giácomo pensou em reagir, mas o experiente Roberto virou-se a tempo de mostrar-lhe o cano da arma e fazer ver que não está brincando.

– Desembucha, porra! – arma apontada para Franco.

Ainda sentado, Franco soltou um muxôxo e ordenou:

– Vou lhe dar uma chance: largue agora esta arma.

– Largo o caralho! – estava fora de si. – Eu não quero morrer neste lugar nojento!

Então, como num milagre, Franco moveu-se da esquerda para direita e para frente tão rápido que Robertosó percebeu que estava sem a Terminator quando a viu na mão de Franco.

– Agora podemos conversar? – perguntou Franco.

* * *

Sem entrar em maiores detalhes e sem revelar os segredos mais essenciais da Empresa, Franco lhes contou sobre a missão e sobre si mesmo.

– Você é um ‘deus’?

– Suas palavras, Tadeu, não minhas.

– Mas não existe Nível 6!

– Posso garantir a vocês que existe e que sou membro do Conselho Diretor da Empresa.

Silêncio total. Melhor voltar para o assunto inicial.

– O que houve com nossas Caixas? O que você viu que te fez ficar esquisito e desmaiar? F r a n c o
passou a língua nos lábios. Já esperava todas essas perguntas, mas precisava escolher com cuidado as palavras para as respostas.

– É procedimento comum os membros do Nível 6 terem conhecimento do resultado da missão – qualquer missão – antes mesmo dela começar. Porém, nesta missão, o Ponto de Divergência apresentava-se como uma incógnita. Nunca soubemos ao certo o que aconteceu durante a guerra dos Imóles, apenas sabemos o que houve depois. Quando Akim saiu do século 25, julgamos que a divergência seria mínima, mas desde que ele violou o campo quântico e se deslocou para cá, o CET passou a registrar variações incomuns.

“Por isso eu fui designado para esta missão. Quando chegamos, o Contínuo Espaço-Temporal parecia
normalizado e fui fazer um reconhecimento antes de dar a missão como concluída.”

Franco fez uma pausa como quem se prepara para dar a notícia de um falecimento à família do morto.
Respirou fundo e prosseguiu:

– Fiz uma rápida passagem pelos momentos futuros. Assisti ao avanço dos “igbá-imóles”, o ataque dos
homens de Akim, nosso revide, o encontro com os “irun-imóles” e... de repente, nada. – Como assim
nada? – perguntou Roberto, sob os olhares preocupados dos demais.

– Foi o que eu vi: nada! Eu estava flutuando no vácuo e, onde deveria estar a Terra, havia somente destroços tanto da Terra quanto da Lua.

– Peraí! – Giácomo gritou erguendo a mão – Tá querendo nos dizer que o planeta foi destruído?

– Isso mesmo. Esse resultado não era previsto e não pude alterá-lo. O anel que vocês vêem comigo me dá mais poderes do que o mero deslocamento temporal e pude sobreviver no vácuo tempo suficiente para voltar e tentar evitar o que acontecerá.

Roberto, com a respiração ofegante, indagou:

– E se deixássemos essa LT prá lá e fossemos para outra LT? Poderíamos ir para Atlântida.

Franco sacudiu a cabeça:

– Vocês acham que não cogitei isso? Não há nada. Nada! As forças que se envolveram aqui foram tão
poderosas que a destruição da Terra ecoou em todas as escalas da Realidade. Isso eliminou a Terra de todo CET, mesmo naquelas LTs onde o Homem jamais se desenvolveu.

Roberto, suando e de olhos arregalados, caiu sentado e murmurou:

– Meu Deus, vamos todos morrer!

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