sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Divisão E&M: conto de Luiz Felipe Vasques

EXAME E MONITORAMENTO
... você não vai querer topar com esses caras. Vai por mim, eu sei do que estou falando. Tem um cigarro? É, eu sei que você não tem a menor idéia de onde você está, pra início de conversa. Às vezes é assim. Quanto mais ouvir falar neles. Divisão EM. Exame e Monitoramento. Eufemismo pra polícia secreta, assuntos internos, P2 mesmo. Claro, a gente tem um monte de apelidos pra eles, de Execução 'Mediata' até Expresso da Morte. Extorsão e Mutreta também cai bem. Sabe, eu encontrei eles uma vez. Por isso que estou aqui. Rolava o seguinte: era uma pequena sacanagem que eu mais uns parceiros meus tínhamos: nas LTAs que íamos, a gente dava um jeitinho de se alongar mais nas missões e levar algumas lembrancinhas pra casa, especialmente das LTAs que iriam ser apagadas da existência. A Mona Lisa pode ser um quadro valioso, mas vale tanto quanto figurinha de chiclete quando vc tem à disposição seiscentas delas, mas apenas em tese: todo mundo quer ter a sua própria e autêntica Mona Lisa. E isso gera uma especulação em cima, sacou? Especialmente quando o transporte de objetos é proibido pelas normas da casa. E mais ainda, quando a autêntica Mona Lisa que você encontra deu uma zorra dum fungo qualquer no pigmento da tinta e ela tá verde. Sacou? Uma tela meio pequena duma mulher marciana, com um meio-sorriso besta. Cara, você não sabe o quanto isso vale...! Mesmo que, novamente, você possa ter seiscentas dessas.

EXTORSÃO E MUTRETA
E aí que rolava... não me olha com essa cara de quem não tá entendo não, depois piora, tá?, já vou te avisando logo... não sei o que você fez, mas aqui é bom a gente tudo ser amigo, sem problemas. Eu já tô aqui há algum tempo, cola na minha, que tudo vai ficar bem pra você. Uma das regras de cortesia é oferecer cigarros, aliás. Tem outro desses? Obrigado... que marca é essa? Não conhecia, não deve ser do meu tempo. Mas o que é que eu tava falando... ah, tá. Mas aí era o seguinte, tinha eu, compadre Bravo, Tango e Charlie... Que foi? Tudo codinome, por mim continua assim, se não se importa. A gente tinha um esquema com um sujeito lá em cima que gostava de dar presentes bacanas aos amigos. Mesmo aos amigos por fora do grande esquema de viagens no tempo, da Empresa. Quadros em versão 'alternativa', ou cópias bem-feitas. Sei lá qual era a do cara, além dum senso de preservação esquisito. Mas de qualquer forma, é aquele esquema que nem lá no leilão: alguns objetos que acabam sendo adquiridos como provas de investigação acabam sendo depois leiloados, se a LTA... Linha Temporal Alternativa... calma, filho, você chega lá... em suma, são leiloados se o universo de onde vieram não existir mais, se existirem, elas são retornadas se possíveis, etc. Sacou? E esse camarada... acho que outros até, mas isso não sei... não quer saber de leilão coisa nenhuma: ele quer é dar presentes com jeito de caro pros amigos, na satisfação interna e solitária de que só ele sabe o que eles têm na verdade. Cada um na sua, o por fora era bom, foda-se.

Aí... a gente recebeu um chamado via interna, todo mundo, no melhor estilo 'eu sei o que vocês fizeram no verão passado'. Porra, deu uma merda fudida. O Bravo ficou bravo mesmo, Charlie queria sair dando tiro, o Tango tava catando alguma época perdida e num lugar longe de tudo pra gente se enfiar. Juro que ouvi o covarde dizendo algo como opção 'a Ponte de Bering'. Sacou, né? O chamado era uma mensagem sem remetente de forma alguma. E não foi a única. Por um mês a gente recebeu umas quatro delas, até quando estávamos em missão oficial. A gente quase fracassou no que fazia, gerando até uma LT processo. Porra, os supervisores queriam comer o nosso rabo!... Mas pelo menos deu a suspeita pra gente de que isso era nego de gente lá em cima, querendo ferrar nossa operação. Contatar nosso 'amigo' nem pensar, se fizesse isso nossa próxima missão ia ser em Pompéia, Krakatoa, Hiroshima, alguma merda dessas.

Finalmente, os putos deram as caras. Mandaram umas coordenadas, passamos os cartões cronais nas nossas caixinhas e... o quê? Ah, ligamos nossa máquina do tempo e fomos lá. Paramos numa sala escura pacas, e a primeira coisa que deu pra notar é que nossa Caixa Registradora perdeu o sinal. Nossa Ca... nossa máquina do tempo parou, ok? É, não funcionava. Aí nós quatro só esperamos o barulho de metraca por uns cinco minutos, até que uma voz distorcida veio por algum alto-falante. Meu, era de deixar Darth Vader parecendo soprano. A voz dizia que sabia quem a gente era, o que andava fazendo, etc. e tal. E que agora ou a gente comia na mão deles, ou, gente passaria a não mais existir, na melhor das hipóteses. O que é o seu caso, provavelmente, já que você tá aqui. Ah, porra, não começa a chorar... caralho, detesto ver homem chorando e... pronto, toma um lenço. Calma, calma... não, não precisa se desculpar, apenas para de chorar, que... catzo. Ele é novato, gente, cês conhecem a rotina. Pronto, pronto... calma. E me dá mais um cigarro.

EXPRESSO DA MORTE
Porra, o que é que tem nesse cigarro, hein? É bom... xô vê a embalagem, o que é isso aqui? Nicotina, Viciante II-B...? O Ministério do Bem-Estar Aprova O Uso Deste... bem, de qualquer forma... acalmou? Ok, ok... de nada, esquece essa porra. Enfim... quiéque eu tava falando...? Ah...! Putz, nos ferraram direitinho. E só tava começando. A gente começou a saltar em missões pra dentro daquelas LTs que nós mesmos tínhamos gerado, e pegar lances de novo. Entendeu? Alguém tinha sacado nosso esquema, e tava tentando obter um ganho com isso. Do nosso 'cliente', nunca mais vimos a fuça. E não tínhamos a menor idéia, somente suspeitas, de quem estava chantageando a gente. E os objetos eram estranhos pra caralho. Tipo, rolava um quadro ou outro, e tal. Até uma Mona Lisa, uma vez. Mas tinha lá uns lances esquisitos pra caralho, umas estatuazinhas sem-graça dumas ilhas no meio do nada, umas facas tortas numas ruínas na Índia, por aí vai. O Tango, que era metido a saber de coisas, ficava apavorado em algumas daquelas missões, mas não dizia exatamente do que é que era. Bravo dizia que aquilo era viadagem e pra ele parar com aquela merda. Pra mim isso não era o pior. O pior era umas missões que, dava pra sacar, era pra gerar mais LTs ainda, pra pegar às vezes os mesmos ítens. Mais LTs... na hora do processo, os babacas aproveitavam pra mostrar quem é que mandava. Eu mesmo matei minha mãe umas duas vezes.

EXECUÇÃO 'MEDIATA'
Hein? Desculpe, viajei. Não, tudo bem, é a fumaça do cigarro, fica com o lenço. Filhos da puta... mas, enfim... Aí a gente fez essas missões umas quase cem vezes, sei lá, perdi a conta. O esquema era bem-feito, nem constava de relatório, horário de partida ou chegada, nada. Aí as coisas foram ficando mais estrambóticas. Uma vez a gente tava na porra Egito Antigo, e tinha que tirar o topo de ouro duma daquelas pirâmides, vá tomar no rabo!... pelo menos tive a satisfação de dizer isso a eles, quando voltamos de mãos vazias. Não tínhamos equipamento especial, aliás pra nada. Sabe quanto pesa ouro, bicho? Porra!... nego sem noção, sei lá... os caram ficaram furiosos, e deu pra ver que eles tavam com alguma pressa de alguma merda. Mas aí deram o equipamento pra gente, quando a gente voltou encontrou um armamento da pesada. Entendeu? Ao invés de equipamento de transporte, os viados nos mandaram armas de extermínio em massa. Tá, isso ia ajudar contra os exércitos do Faraó, ou até contra o Egito Antigo inteiro, se bobear. Mas aí não podíamos ainda transportar aquela trolha. Discutimos pra cacete. O Bravo e eu queríamos pegar as armas, voltar naquela sala e, na esperança que eles não estivessem muito longe, passar fogo nas paredes ao redor e foda-se. Mas o Tango pra variar medrou, e o Charlie... porra, o Charlie tava mal. Tinha morto a filhinha dele com quatro anos umas três vezes. Detalhe que no Continuum, a filhinha dele tinha morrido de berço... filhas da puta!... Mas aí acabou que a gente tinha que dar um jeito.

Descemos aquela porra daquela planície inteira, saímos deitando morteiro no caminho. Voava pedaço de egípcio pra tudo quanto é lado, e a gente já sabia que lá vinha mais LT pra explorar depois. Chegamos até a pirâmide e subimos sem maiores problemas. Vinha mais guarda, e tome de fogo. Dali a pouco os caras tavam se ajoelhando pra gente, e o Tango veio com a idéia da gente dar ordem de descer com o cume de ouro pro chão. A gente fez se entender, acredite. A foda é que tava demorando, e quanto mais demorada a missão, maior a possibilidade de alguém lá do andar da D notar. D? Divisão D, de Delfos. Os que monitoram mesmo o destino do CET e quando surgem as LTs. Outra hora te conto dessa. Aí a gente pra variar não tava pensando porra nenhuma, não ia fazer a menor diferença se estivesse no cume ou no chão, mas aí o Bravo queria que queria aquela merda no chão e rápido. O resultado não deu outro. Ver aquele bico de ouro deslizando o lado da pirâmide atropelando sei lá quantos escravos no processo foi até engraçado. É, engraçado, cara, e aí? Me dá outro cigarro. Mas aí... acabou que o Tango deu um jeito lá, não entendi direito até agora, ninguém me explicou, e sinceramente acho que não quero saber. O Tango conseguiu ler alguma coisa da ponta de ouro da pirâmide, uns hieróglifos lá. Falava sobre finalmente entender o que realmente os antigos egípcios queriam como imortalidade, energia cronal não sei das quantas armazenada no bico, ressonância taquiônica das Caixas Registradoras, todo mundo passando o cartão no 3, e vambora. Fomos. Com o bico de ouro da pirâmide. E com as armas. Voltamos lá, na mesma sala escura de sempre. Ninguém falou conosco. Às vezes os viadinhos faziam isso. Dez minutos depois, a gente já querendo sentar o dedo nas paredes ao redor, as luzes da sala se acenderam. Deu pra ver que era muito maior até do que esperávamos, era um auditório até. Acho que era o 4C, imagina... Estávamos no palco, com a carga, e logo na nossa frente, na primeira fileira, vimos três sujeitos de Nível 3 e 4, que conhecíamos de vista. Os três com um buraco de bala no meio da testa.

EX MACHINA
Três cadáveres. 'Armaram de novo pra gente!', gritou Tango, que digitou qualquer merda na máquina e se picou, o filha da puta covarde. E não era só isso, tinha também um sujeito sentado logo ali ao lado, um cara pálido e magro, de terno escuro, óculos idem e uma Terminator na mão. Claro que o que tínhamos era pior do que qualquer Terminator, mas havia algo naquele cara que dizia que, se era pra usar algum equipamento, era melhor que fosse que nem o Tango fez. E era o que devíamos ter feito. O sujeito veio com uma fala mansa e educada, esclarecendo ser da Divisão de Exame & Monitoramento, declarando voz de prisão por contrabando temporal, cronocídio e sei lá mais o quê. Bravo não se furtou ao que havíamos entendido sobre linguagem corporal, e ergueu o lança-morteiro pra ele. Antes que firmasse qualquer coisa, tinha uma bala no meio da testa. Sobramos eu e Charlie, provando ser mais espertos do que a maioria dos ursos. Não mais do que Tango, claro, que deve estar gelando o rabo na Ponte de Bering, duas Eras Glaciais atrás. Ao menos acho que foi para lá. É sim, seria um bom começo onde procurá-lo. E é claro que a essa altura se você me agradece é porquê deve ser da Divisão EM, acertei? E aposto que essa porra desse cigarro ajuda a soltar a língua mais fácil e sutilmente do que sessões de porrada e soros da verdade. Filho da puta. Bem, se encontrarem o Tango, apenas diga que não foi intencional, se me puder fazer esse favor: eu apenas me deparei com alguém que definitivamente eu nunca mais quero encontrar.

Um comentário:

Hadrian Marius disse...

Conto Bacana... minha unica ressalva é quanto aos paragráfos grandes demais.

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