quinta-feira, 4 de dezembro de 2008
A maior banda de ficção científica do mundo
Esta é a republicação de um artigo que escrevi na semana seguinte ao primeiro show do Rush no Brasil, ocorrido em 23 de Novembro de 2002.
Ainda acredito em tudo que escrevi abaixo. Quem não leu na época, veja se concorda...
***
O Rush tocou no Maracanã.
Só o peso de irrealidade desta frase já é suficiente para incluí‑la no gênero da FC – particularmente, esperei por mais de vinte anos por esse momento e o que assisti foi um show quase perfeito, não fosse a má equalização das guitarras de Alex Lifeson e da voz de Gedy Lee (inaudível em certos momentos).
Nem é preciso dizer que trata‑se de minha banda preferida, né? Pois.
Minha mulher ficou perguntando o que diabos o Rush tem que a torna diferente de todas as outras bandas de rock do mundo. Eu tentei responder...
Eles navegam entre muitos estilos da música pop‑rock com familiaridade e conhecimento de causa invejáveis.
Quer dançar? Tasca no CD player o PRESTO, aquele dos coelhinhos na capa. Porrada na idéia? Nada como o CARESS OF STEEL, terceiro disco do trio canadense. Ah, sua tara inconfessável é viajar durante horas sob os efeitos de sons “progressivos”? Então manda o HEMISPHERES tímpanos adentro. Hmmm... algo de techno? SIGNALS. Pop? ROLL THE BONES. Hard rock efeêmico? MOVING PICTURES.
Mas acho que nada me agrada mais que prestar atenção nas letras – compostas em sua maioria pelo baterista Neil Peart – , que abraçam um amplo espectro, da simples crônica de costumes (Working Man, I Think I’m Going Bald), a citações literárias (Tom Sawyer, Rivendell), fábulas (The Trees, By‑Thor and The Snow Dog), história (Bastille Day) e reflexões de cunho pessoal que, ao contrário do que possa parecer, não soam nada pretensiosas (Time Stand Still, Red Barchetta, Nobody’s Hero, Limelight). Sem falar nas várias incursões dos três pelos caminhos da ficção científica musical.
Algumas canções são compostas como trilhas sonoras para determinados livros ou contos de autores tão diversos quanto polêmicos. Anthem, baseada no romance homônimo de Ayn Rand, retrata uma civilização onde um regime super‑capitalista e assumidamente de direita funciona como uma distopia azeitada (nas palavras de Carlos Orsi Martinho, um tipo de “anarco‑capitalismo”); e a já citada Rivendell é referência direta ao SENHOR DOS ANÉIS, de Tolkien.
Mas o forte mesmo é quando os caras compõem material inédito, de inspiração própria. O número 2112, além de batizar o quarto álbum, também é o nome da canção que introduz a história dos “Monges do Templo de Syrinx”, cujos imensos computadores reúnem uma súmula do Universo (2112, The Temples of Syrinx). GRACE UNDER PRESSURE, de 1984, está prenhe de influência cyberpunk na letra de The Body Electric (Trying to change it’s program, Trying to change the code – Crack the code. Images conflicting Into data overload); ecos paranóicos de Philip K. Dick em Distant Early Warning (Left and rights of passage Black and white of youth Who can face the knowledge That the truth is not the truth. Obsolete. Absolute) e uma pequena obra‑prima narrada em primeira pessoa pelo sobrevivente de uma invasão alienígena que foge de um campo de concentração: Red Sector A [I hear the sound of gunfires At the prision’s gate Are the liberators here? – Do I hope or do I fear? (...) Are we the last ones left alive? Are we the only human beeings To survive?].
SIGNALS, lançado em 1982, pode ser considerado um disco de FC na íntegra. Com exceção de uma canção, Losing It, as outras sete faixas ostentam títulos como The Analog Kid, Digital Man, New World Man, Countdown (composta em homenagem aos astronautas da Challenger), Chemistry, The Weapon e Subdivisions. Cacotopias, naves espaciais e cyborgues pulam de um lado para o outros em mais de 40 minutos de duração do CD.
Para terminar, o último disco dos caras, VAPOR TRAILS, motivo da turnê que os trouxe ao Brasil, deixa um pouco de lado o casamento com a música eletrônica que durava desde o fim dos anos 80, e flerta com a eletricidade. Os temas estão mais ligados à volatibilidade da vida e a impotência diante de forças acima do ser humano comum, como nos petardos The Stars Look Down (Like the rat in a maze who says, “Watch me choose my own direction” Are you under the illusion The path is winding your way?), Secret Touch (You can never break the chain There is never love without pain) e a canção‑título Vapor Trails, que evoca imagens apocalípticas dignas dos contos de Arthur C. Clarke e Ray Bradbury (Stratospheric traces of our transitory flight Trails of condensation held in narrow bands of white The sun is turning black The world is turning gray All the stars fade from the night The oceans drain away).
Ou seja, caríssimo, você gosta de ficção científica e não foi ao show no último sábado? Tá, então faça um favor a si próprio: aproveite o Natal e arrume um CD dos caras.
Qualquer um.
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8 comentários:
Concordo 100%! Também estava no Maracanã nesse dia de glória! Foi sem dúvida um dos melhores shows da minha vida!
É, Flávio, foi mesmo um showzaço. E também minha despedida dos grandes eventos do rock. Não tenho mais saco para shows de arena, prefiro ficar em uma mesa, com um wiskhinho, assistindo tranquilo.
Mas foi uma senhora despedida.
Ah, aproveito para aradecer ao Gustavo Berner, da cmunidade Rush Brasil, pelos dados sobre a biografia da mãe de Geddy Lee, que teria sido a inspiração para Red Sector A. Valeu, Gustavo!
Octa, você acabou de produzir um novo fã do Rush.
Abraços microcósmicos!
Fico muito feliz, Denis! A banda merece.
Mais agradecimentos ao Henrique da Comunidade Rush Brasil pelos comentários amigáveis relativos à música Countdown e pela correção ao álbum onde consta a canção The Body Electric.
Valeu, Henrique, pela leitura atenta e pelo tempo gasto nas análises.
Boa lembrança Octa.... realmente curtimos muito o show deles, você no Rio e eu em Sampa. Infelizmente não tenho mais os e-mails que trocamos naquela época, parecíamos dois adolescentes muito ansiosos, lembra ??
Uma correção: a música "Countdown" do CD "Signals" foi escrita em homenagem ao primeiro vôo do Ônibus Espacial americano, em Abrl de 1981, os integrantes do RUSH estavam na Flórida e acompanharam o lançamento.
Abraços
Mas não era a Challenger, Ivo?
Anyway...
Não Octa, o primeiro Space Shuttle que chegou ao espaço foi a Columbia, a Challenger foi o segundo.
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