quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

As cores que caíram do céu: entrevista com Mark Wheatley

Mark Wheatley é um ilustrador e quadrinista norteamericano criador de diversas séries em quadrinhos em papel e na rede. Criador do Insight Studios, especializado em produzir design gráfico e projetos em quadrinhos, inventou o sistema de colorização Digi-Color, que revolucionou a indústria americana.

Ainda inédito no Brasil, ele nos fala de seus mais de trinta anos de carreira, seu estilo empresarial e como uma de suas graphic novels acabou nas mãos de James Cameron, provavelmente servindo de referência não assumida para um blockbuster do cinema.




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Octavio Aragão - Como um artista multiárea você parece interessado em diferentes aspectos da ficção popular, seja em quadrinhos, TV e games, e até ganhou alguns prêmios incluindo o Eisner e o Inkpot. Porém seu nome não aparece ligado a nenhum projeto literário. Por que? Jamais sentiu a necessidade de escrever um romance pulp?

Mark WheatleyEssa é uma pergunta perspicaz. Estou surpreso por ninguém ter perguntado antes. Em primeiro lugar, vale informar que escrevi um texto longo para Titanic Tales, um revival do estilo pulp em livro que produzi e publiquei há 12 anos. Escrevi outras histórias em texto, mas essa foi pulp mesmo e foi publicada! Então não é como se eu nunca tivesse feito isso antes. Mas especificamente na questão, aprendi a ler por volta dos seis ou sete anos, graças ao romance Os Robinson Suíços (romance de aventuras de Johann Wyss, publicada originalmente em 1812, onde uma família se perde no mar e vive aventuras parecidas às do personagem Robinson Crusoé, do livro homônimo de Daniel Defoe). A partir daí fui fisgado por romances e, quando tenho idéias para alguma história, elas tendem a assumir a estrutura de um romance literário e acabam muito longas para o formato tradicional das revistas em quadrinhos ou graphic novels. Meus álbums Mars e Frankenstein Mobster chegam próximo a 300 páginas (não estou certo a respeito do número exato). EZ Street e Lone Justice têm por volta de 250 páginas e penso que EZ chega perto de ter uma estrutura de romance. Mas é claro que, para conseguir trabalhar corretamente a estrutura narrativa de um romance e desenvolver a profundidade dos personagens dentro do formato de uma HQ, necessitaria de pelo menos duas vezes mais páginas.

Quando adolescente pensei em me tornar romancista, mas creio que minha habilidade em narrar visualmente gerou a responsabilidade de produzir histórias mais profundas e personagen
s mais trabalhados para os quadrinhos. Isso foi algo que ninguém estava tentando naquela época no mercado americano. Se eu escrevesse apenas romances, seria só mais um enchendo páginas de palavras, mas se fizesse o mesmo em quadrinhos poderia ajudar a levar o gênero a um outro nível. E eis porque venho trabalhando dessa maneira nos últimos 30 anos ou mais.


OA - Você é um dos cabeças do Insight Studios e é o criador de um processo de colorização digital. Como você equilibra as carreiras de “novelista gráfico” e designer? E quando você percebeu que um programa de colorização especial para quadrinhos era necessário e, principalmente, viável economicamente?

MW – Robert Heinlein costumava dizer algo parecido com “se pagarem, eu passeio com os cachorros”. Claro que ele ganhou suficiente dinheiro com a escrita para não precisar levar cães para passear. No meu caso, fundei a Insight Studios para servir de plataforma para meus trabalhos, mas também pensei que poderia ser um tipo de conluio de talentos. E isso tem funcionado desde o final dos anos 70, porém houve uma época em que fiquei tão assoberbado de atividades burocráticas que mal tinha tempo para minha produção criativa - eu estava repassando todo o trabalho divertido para outros caras. Acabei tendo de reestruturar o modo de trabalho da Insight para me permitir um tempo para os projetos pessoais e funcionou bem durante a última década aproximadamente. A diferença principal era que, dessa vez, eu trazia o povo de fora para trabalhar nos meus projetos - no passado eu trabalhava para produzir projetos específicos para cada um dos nossos contratados. Quando me vi na condição de mudar tudo, convidei nosso pessoal para repartir os projetos e as responsabilidades burocráticas, apesar de alguns preferirem evitar a parte dos negócios. Então estamos muito ocupados com meus projetos desde então e sei que tenho me divertido bastante.

O processo de funcionamento do separador cromático
Digi-Color exigia um scanner assim como um papel especial chamado Stable-Lines, que eu inventei e produzi. O maior problema no início dos anos 90 era conseguir que a parte pintada da arte original não saísse do registro do traço de contorno da ilustração (Nota do tradutor: quando as HQs eram produzidas apenas manualmente, os artistas costumavam desenhar tudo em lápis azul e depois passar o nanquim sobre as linhas principais sem se preocupar em apagar os traços do esboço, porque o azul podia ser eliminado fotograficamente. BlueLine era a base em papel sobre a qual os ilustradores desenhavam, também com as linhas de diagramação em azul).

Como a
Insight já estava fornecendo BlueLines para as principais editoras de quadrinhos, eu criei Digi-Color para resolver os problemas de registro que o BlueLine sempre apresentou. Isso resultou num processo bem sucedido que se tornou o principal gerador de divisas para a Insight por volta de 12 anos, até que a evolução dos computadores pessoais eclipsou o que tínhamos a oferecer. E olha que isso era um bom dinheiro, já que também estávamos produzindo muito material criativo. Hoje em dia faço todo o meu trabalho de cor, incluindo ilustrações pintadas, apenas com recursos digitais e quase todo mundo faz assim também.


OA – A mim parece que, como ilustrador, seu estilo sofre influência de artistas como Frank Frazetta e alguns ilustradores clássicos habitués das capas das revistas pulp dos anos 30, como Edward D. Cartier e James Bana. Por favor, fale a respeito de seu processo como ilustrador e como ele difere da criação dos desenhos de quadrinhos, que são mais dinâmicos e resolvidos com traços mais rápidos.

MW - Vou discordar da influência de Frazetta, porém creio que meu trabalho hoje em dia é mais ligado à Brandywine School of Illustrators, fundada por Howard Pyle e melhor representada por N. C. Wyeth. Wyeth é meu preferido. Pyle e Wyeth tiveram grande influência sobre Frazetta, mas minha influência da ilustração da Golden Age é extensa. Passei um quarto de século colecionando livros e revistas da primeira metade do século 20. Uma lista de minhas influências teria de incluir Wyeth, Pyle, Schoonover, Leyendecker, Louderback, Cornwell, Dunn, Stoops, Godwin, Schaefer, St. John, Cartier, Rockwell, Coll, e, bem, a lista vai longe.

Para mim, o grande diferencial ao se pintar uma ilustração é poder levar o tempo necessário para que ela fique exatamente do jeito que eu quero. Nunca há tempo suficiente para se fazer esse tipo de acabamento numa HQ. Geralmente são cinco quadros em uma página e na maior parte das vezes sou obrigado a aprender a desenhar algo novo em ao menos um deles. É como se estivesse sempre correndo atrás do prejuízo, mas posso levar três dias numa ilustração pintada e deixá-la exatamente como eu quero. Tenho até tempo de pesquisar e aprender como desenhar um camelo, caso seja necessário. Porém, fico muito feliz em trabalhar em qualquer projeto de narrativa visual - seja quadrinho ou ilustração. No fundo, eu apenas gosto de contar histórias.


OA – Em 2008 você ministrou um curso no prestigioso Norman Rockwell Museum e até teve alguns de seus trabalhos em quadrinhos expostos. Como você encara, nestes tempos de webcomics e infográficos animados, a exposição de HQs nas paredes de um museu? Será que os quadrinhos, e podemos incluir aqui as ilustrações comerciais, realmente necessitam desse tipo de busca de respeitabilidade?

MW - Quadrinhos são um mercado pequeno e em transição, logo estamos constantemente agarrando qualquer oportunidade de mostrar nossa produção para um público maior. Expor artes de HQs em museus é apenas uma pequena peça desse quebra-cabeças complexo. Para mim foi uma emoção enorme ter meus trabalhos expostos no Norman Rockwell Museum, mas não há nada de novo no fato de se ver quadrinhos em museus. Já li registros de mostras e exposições de originais de tirinhas de jornais nos anos 30 e 40, mas desde os anos 50, com a queda dos quadrinhos no ostracismo, que temos trilhado uma longa estrada em busca da antiga respeitabilidade. Respeitabilidade é útil, pois abre aos quadrinhos a chance de tentar caminhos mais autorais e obras mais importantes. E não creio que isso ameace as HQs vagabundas que todos nós adoramos.


OA – Agora o caso Avatar. Alguns podem dizer que partes do plot de sua série em quadrinhos Mars foi surrupiada por James Cameron para ser usada em seu mais recente blockbuster em 3D, Avatar. Na verdade, já perdi a conta dos romances e HQs que parecem ter sido plagiadas por Cameron nesse filme, sendo o mais relevante o livro de Poul Anderson, Call Me Joe, mas isso vai longe, incluindo a série John Carter de Marte, de Edgar Rice Burroughs. Quais elementos podem ter sido “emprestados” de sua série que teriam influenciado Avatar?

MW – O plot de Mars é assim: uma jovem paraplégica é enviada a um novo mundo para se tornar parte de um grupo que busca transformar o planeta em um ambiente mais afeito aos humanos. Nossa heroína e o grupo estão fazendo o trabalho transferindo suas mentes para construtos que lhes dão mais poder que seus corpos naturais. No processo a protagonista tem um relacionamento com uma bela fêmea parecida com um fauno e com grandes olhos. A criatura fauno ensina a heroína que tudo no planeta está conectado. No conflito final, a protagonista transfere de maneira definitiva sua mente para a consciência do novo mundo.

Claro que em Mars a protagonista é uma jovem e os construtos são robóticos.

Mars foi publicada originalmente em meados dos anos 80 e depois reeditada em formato de graphic novel pela IDW, em 2005. Pouco depois da segunda edição fui contactado por um dos produtores de James Cameron, que pediu exemplares da graphic novel. Nós cedemos alguns e pouco depois a companhia de Cameron demitiu aquele membro da equipe ao fazerem um corte de pessoal. Nunca mais ouvi falar de nada referente a Mars e James Cameron.

Assistindo a Avatar achei algo de familiar não apenas ao meu trabalho em Mars, mas por causa de muitas das outras referências culturais que ele inseriu no filme, de Roger Dean e Edgar Rice Burroughs a Poul Anderson e Dança Com Lobos. Eu gostei muito do filme, especialmente em 3D.

4 comentários:

Arnaldo P. Mont'Alvão Jr. disse...

Legal Octávio! Vou divulgar no Z-12 (http://z12z.blogspot.com/) e orientar meus alunos a lerem.
Abraços
Arnaldo

Octavio Aragão disse...

Valeu, Arnaldo! Espero que tenha curtido.

Bom ver você por aqui. Darei um pulo no teu blog.

Manel disse...

Que sacanagem esse James Cameron fez ein? Plot xerocado. Chegou a perguntar pq ele não botou o cameron no pau? Ou será q o diretor "molhou" a mão do quadrinista? rs...

Octavio Aragão disse...

Manel, pelo que percebi conversando como Wheatley, ele estava a um cabelo de meter um processo no Cameron. Porém, na hora de responder à questão, ele foi meio “panos quentes”. Não sei bem o motivo, mas que me pareceu, pareceu.

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