terça-feira, 13 de maio de 2008
A identidade secreta do quadrinho nacional: entrevista com Emir Ribeiro
Batalhador dos quadrinhos nacionais há décadas, Emir Ribeiro e sua personagem de maior destaque, a super-forte loura Velta, já mereceram diversas publicações e álbuns, sempre com a mistura de ação e sensualidade. Agora, às vésperas de mais um lançamento, ele fala à Intempol a respeito de suas idéias sobre o estado crítico dos quadrinhos nacionais e de como seria um projeto de HQs verdadeiramente brasileiro.
***
Octavio Aragão – O senhor é conhecido por batalhar há anos por um quadrinho claramente reconhecível como brasileiro, uma orientação da qual compartilho. Quais seriam suas diretrizes básicas para a constituição definitiva, em termos de códigos linguístico e imagéticos, de uma HQ nacional?
ER - Sendo escrito em língua nacional, abordando temas que tenham alguma identificação com o Brasil, usando cenários Brasileiros como pano de fundo, personagens Brasileiros (e com nomes de Brasileiros), e sempre utilizando algumas pitadas de informação histórica e cultural do nosso país, a meu ver, já será uma HQ que pode se caracterizar como Brasileira.
OA – O estabelecimento de um *traço* nacional não seria um caminho? Pergunto porque diversos artistas levantam essa questão, afirmando que uma *escola de traço* reconhecível ajudaria a implementar um mercado para HQs nacionais.
ER - Mas o que seria o traço nacional? Como seria esse traço nacional? O que caracterizaria esse traço nacional? São perguntas para as quais duvido que alguém tenha uma resposta concreta e objetiva.
Penso que existe o traço pessoal, de cada autor. Por exemplo, o traço do Colonnese é reconhecível por qualquer leitor de HQ nacional. O traço do saudoso Flávio Colin, idem. O traço do Mozart Couto é identificável á primeira vista.
Não penso que formar uma "escola" com "regras" a serem seguidas para que se caracterize um traço como "brasileiro" tem tanto sentido como aplicar as "regras" do "Comics Code" a quadrinhos Brasileiros. Não creio que seja esse o caminho.
OA – Sua personagem Velta já se tornou um clássico das HQs nacionais, mesclando o clima erótico à ação superheroística de inspiração, creio, norte-americana (se eu estiver errado, por favor, perdôe-me). Quais foram as inspirações para Velta e quais as diretrizes para sua criação? Quais as origens da loura?
ER - A forma física da Velta se inspirou na fusão de dois elementos: um real - uma loura que conheci no passado, numa praia, e outra fictícia - a personagem belga Pravda, de onde tirei o detalhe de Velta ser motoqueira.
Já os temas das histórias, também não são segredo para ninguém. Comecei sob influência forte das HQs de super-heróis norte-americanos. Nunca neguei e nem tentei camuflar essa origem, porém, de uns anos para cá, tenho me afastado dessa linha.
OA – Direto ao ponto: há possibilidades de uma mitologia superheroística nacional? Caso sim, isso não correria o risco de cair num nacionalismo parecido com aquele postulado nos anos 50? Ou seja, precisamos de super-heróis no Brasil?
ER - Com tanto bandido, ladrão, corrupto e gente sem caráter nesse nosso Brasil, precisaríamos de um exército de super-heróis para colocar toda essa turma na cadeia ou ao menos aplicar-lhes uma boa surra. Porém, uma mitologia super-heroística nos moldes da norte-americana, ATUALMENTE, não funciona aqui. Até os anos 70 do século passado, que ainda era uma época de inocência, poderia até fazer parte de revistas nacionais. Hoje, não tem sentido.
Entenda-se bem que os moldes tradicionais, do herói escoteiro que salva até a vida de bandidos ("faz o bem sem olhar a quem" e sem ganhar um centavo), que não questiona as autoridades sob hipótese alguma , que defende o patrimônio de banqueiros e bilionários (sem nem pensar em recompensa por isso), que tem como "identidade secreta" uma pessoa tímida e diametralmente oposta da outra que se fantasia de malha colante colorida e sai brigando com marginais, não encaixa no Brasil.
Para eles existirem aqui teriam de se adaptar à realidade brasileira, da mesma forma que o estadunidense pegou a mitologia oriunda da Grécia antiga e adaptou aos padrões do seu país.
OA – Essa identidade não incorporaria algum posicinamento político ou religioso?
ER - Caso você fale da "identidade secreta" estadunidense, a princípio, e sem uma análise mais profunda, não vejo nenhum tipo de posicionamento político ou religioso. Em sendo a identidade do "herói", esta é cheia de detalhes que passam e incutem na cabeça do leitor aquela idéia de que a política dos EUA é a melhor e a mais correta, que seus costumes e seu modo de vida é o melhor, e chega ao cúmulo da arrogância de batizar uma revista com o título "Os melhores do mundo". E parece que nenhum leitor (inclusive quadrinhista nacionais aparentemente esclarecidos) vê ou se apercebe desse bombardeio ideológico, e também religioso, afinal muitos dos vilões das histórias norte-americanas são árabes muçulmanos, ou então latinos. Enquanto o herói deles é o cristão defensor da moral e costumes norte-americanos, que sempre se mostra bonzinho e escoteiro, nunca querendo se igualar ao bandido. Mas no final, ele acaba sempre apelando para a violência, e é ovacionado pelos leitores.
Parece que é muito difícil os leitores (e quadrinhistas naiconais, também) raciocinarem, em meio a um mar de mensagens subliminares e reeducação mental lenta, constante e gradual, que vem embutida nos quadrinhos dos supers dos EUA.
OA – O senhor já trabalhou para o mercado internacional, mais precisamente norte-americano. Como foi lidar com as grandes editoras? Alguma experiência marcante? E o retorno financiero compensou? Como vê a opção de diversos artistas nacionais pelo mercado estadunidense?
ER - Profissionalmente, um tormento, pois nunca foi um trabalho que me realizasse. Tudo que fiz para os EUA foi apenas por dinheiro, e por sinal um bom dinheiro, pois o pagamento era compensatório e geralmente, sem atrasos. Chato era aguentar a arrogância e a falta de objetividade dos editores, além de exigências de rapidez em prazos sempre apertados. Chegou a um ponto que não vi vantangens em continuar, mesmo com o régio pagamento.
Quem quiser apenas faturar, é uma boa opção (desde que ele seja também o rei da paciência), mas para alguém que pensa como eu, não passou de uma opção temporária.
OA – O senhor não acha que o estereótipo brasileiro (sexo-exotismo-natureza exuberante) , muito explorados pelos ilustradores nacionais, mesmo em trabalhos independentes, pode ser considerado como uma visão reducionista do país? Como o senhor enxerga e representa o brasileiro em suas HQs?
ER - É uma visão reducionista, sem dúvida, e vem da idéia que os estrangeiros fazem de nós. O quadrinhista erra em replicar esse mesmo modelo, sem tirar e nem por.
Nas minhas HQs, não uso modelos padronizados de personagens, pois transformaria a HQ naquela coisa dura e pasteurizada. Prefiro variar bastante na personalidade de cada um, a fim de caracterizá-lo bem e diferenciá-lo da massa de personagens.
OA – Uma questão que sempre ressalto quando entrevisto autores de aventura derivados dos mitos superheroísticos é aquela relacionada à posição política. O senhor não crê que HQs desse tipo caem, quase sem exceções, numa apologia da forca pela força ou da busca pelo poder?
ER - Costumam cair, se o criador não se policiar para tentar fazer diferente. Mas outro grande problema é o leitor, que já é doutrinado por décadas e décadas a ver aqueels mesmíssimos elementos numa HQ. Só como exemplo, houve gente reclamando que na edição VELTA - NOVA IDENTIDADE PARAIBANA (2007) faltou ação, aventura e lutas corporais entre mocinha e bandida. Ora, mas isso é necessário sempre? Na referida edição, optei pelo drama dentro de uma aventura de ficção científica, e no meu entender, tornou desnecessários embates corporais.
Veja, portanto, como o leitor ficou bitolado a exigir aquelas regras das histórias tradicionais, a pontode estranhar uma que não se utiliza desses elementos sempre recorrentes.
OA – Em termos de design de página, quais os esquemas que o senhor prefere? Algo focado na grade de seis a oito quadros ou algo mais solto, sem muitas restrições? Pergunto porque já vi os dois tipos em seus trabalhos com Velta.
ER - Sem restrição alguma, sem regras. O que imagino que me agrade visualmente, ou que seja necessário e adequado ao desenrolar do roteiro, é o que adoto para cada página. Aliás, se o senhor observar outras HQs, vai ver que há muitos tipos diferentes de esquemas de páginas.
OA – Agora, para fechar: quais os próximos projetos?
ER - Pretendo concluir alguns que estão em andamento. Um deles, da série "Realidade alternativa", centra Velta e o Homem de Preto nos anos 30 do século XX (a primeira da série, escrita pelo R. F. Lucchetti, foi a Velta nos anos 60, na edição "35 anos de Velta", de 2008).
A próxima edição deverá desaguar trabalhos já prontos há anos, como a HQ "A Fofoqueira" (2003) e "Detetives" (2002), uma releitura da primeira aventura da loura em parceria com seu namorado Gilberto Gomes.
Em seguida, pretendo enfatizar mais outra personagem - a Nova. Esta, por sinal, não tem nada que lembre uma "heroína", pois é bastante politicamente incorreta, a começar de ser adepta da pena de morte para bandidos, além de ser uma atéia declarada. Mesmo ela tendo sido originária da mesma linha que Velta, tomou caminho diferente.
Por sinal, todos os meus personagens procuram, paulatinamente, se distanciar da influência inicial, e chegarão a um ponto que dificilmente um futuro leitor conseguirá enxergá-los ainda como "super-heróis". Nos dias de hoje, já nem podem ser considerados como tais. No futuro, então, espero que nem lembrem super-heróis.
OA – Sem mais, encerro com meus parabéns pelo trabalho e pela resistência neste mercado tão fechado e difícil como o das HQs brasileiras.
E - Agradeço os parabéns, mas infelizmente, o quadrinho Brasileiro está caminhando para a irreversibilidade, para um beco sem saída. O mercado interno não existe, pois o próprio quadrinhista - com raras exceções - não quer mudanças, o leitor também não quer e prefere continuar seu culto aos personagens estrangeiros de sempre, e por fim as editoras também optam pelo que eles imaginam que dê lucro imediato (ou seja, traduzir os quadrinhos estrangeiros de sempre).
Portanto, não vejo saída alguma para o quadro melhorar. Continuo a fazer porque gosto do que faço, mas chegará o tempo em que será inviável arcar com os dispendiosos custos de impressão para um público que diminui a cada dia.
Agradeço a você pela oportunidade de novamente me comunicar e esclarecer o público que ainda curte essa forma de arte.
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3 comentários:
uma frente de resistência no escasso e guerreiro mercado de HQs nacionais sempre merece ser ovacionada pela vontade e paixão com que são concretizados. mais um pouco disso e teremos muita coisa boa ainda. brasil para os brasileiros.
Manel, dá um pulo na lista da Intempol para responder às felicitações de aniversáro, rapá!
Mas quanto chororó, modeus!!!!
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