Julho de 2014. Mais uma Copa do Mundo. Ou talvez seja sempre a mesma.
É muito bom saber que, mesmo depois de 14 anos desde a publicação da primeira história nesse multiverso maluco, Intempol ainda inspira contos divertidos e antenados. E, como não podia deixar de ser, este aqui, recém-produzido por Luiz Felipe Vasques, assim como o primeiro publicado no agora diáfano 1998, fala sobre as dores de um jogo perdido. O tipo de ferida que jamais se fecha.
***
- 7 a 1, pode por aí.
Osmar olhou para a estagiária:
- Brasil? Otimista, hein, garota?
- Não, não: Alemanha.
Osmar balançou a cabeça, mas não estava convicto. Despacharam Portugal por 4x0. Mas uma vitória assim…
- Por que? – Insistiu em saber.
- Ah, a camisa deles é do time do meu namorado. – Revelou. Osmar ainda assim deu um sorriso simpático, apesar do que realmente achava.
- Mas por que a 1?
- Ah, Brasil, sabe como é, tem que acreditar.
Balançou a cabeça novamente. Cabecinha de vento. Mas foda-se, o dinheiro era dela, ela era maior de idade. Anotou a aposta.
7x1. O 1 havia entrado quase como se o oponente se desesperara nos últimos 15 minutos em ao menos dar ao anfitrião as chances de um gol de honra. Honra de quem tem a mãe na zona, é claro. O fantasma de 50 era substituído pelo de 14. 14 reverberava nos corações e mentes incrédulos de gerações, a partir daquele momento. O país ainda haveria de encontrar o segundo fantasma de 50, mas isso era outra história. Até lá, 14 era o novo ano terrível.
– Que cara é essa, Osmar? – Como se o outro não soubesse.
– Porra, perdi a maior grana no bolão…
– Ainda bem que eu não aposto nessas merdas… – Algo estava errado. – Peraí, perdeu? O bolão não foi desfeito? Alguém acertou o placar?
– E pra uma garota. A Renatinha, estagiária lá da Marinete. 7x1 cravado. Ainda disse que apostou na Alemanha porque a camisa lembra –
– A camisa do time do namorado. – Ecoou o outro, que atendia por Fraga. 7x1, e agora ainda essa. Puxou o celular. Osmar revirou os olhos, um “putamerda” mal murmurado. O celular atendeu: – Ô, Deodato, como é mesmo a história da Adriana tua filha que ganhou uma aposta no trabalho…?
Eventos como Copas do Mundo sempre são mais tensos. Facilmente alvo de quem quer fazer muito dinheiro, mexer em política, fazer o diabo. A Empresa estava lá para que elas fossem e permanecessem como são, dentro dos acordos anteriormente estabelecidos. Ainda que não se compre ou se venda uma Copa para sempre: mas isso era decisão das mais altas hierarquias, e dificilmente o resultado muda.
Davi era um ratinho. Não queria forçar a queda de governos, entrar na bolada do superfaturamento de estádios, nem grandes esquemas complicados e fáceis de serem vistos. Bolões entre funcionários podiam render uma boa grana. Nem precisava procurar emprego, bastava namorar a garota certa em cada oportunidade. Ser um Agente da Intempol facilitava muito este esquema. Nem precisava sair cometendo LTAs. Mas Davi também era burro. Comer a estagiária da Marinete e achar que podia dar desfalque nos colegas de trabalho era forçar a sorte. Forçar a sorte em um momento sensível, ainda por cima.
Por isso, a coronhada do rifle de assalto que recebeu nos dentes foi bem merecida, pensava Osmar com um sorriso de hiena, enquanto arrastava o desfalecido desdentado para a prisão. A maleta na outra mão pesava, com o dinheiro. Pensou se haveria tempo em substituir Davi no golpe com a corporação que a filha do amigo de Fraga trabalhava. Fora um bom dinheiro. Ainda de quebra comeria uma gostosinha. Riu-se, negando com a cabeça. Não era tão burro assim.
Ou era?
Rio de Janeiro – 9/07/14